domingo, 11 de março de 2012

PINTURA: PAINÉIS DE S. VICENTE DE FORA

Painéis de S. Vicente de Fora
Painéis de S. Vicente de Fora
Obra absolutamente excecional no Portugal quatrocentista, parece não ter tido precedente no panorama pictórico do gótico europeu, nem, tão-pouco, imediata consequência. O seu autor, tudo indica que seja Nuno Gonçalves.
A obra de Nuno Gonçalves encontra no Políptico dito de S. Vicente de Fora (c. 1470) - geralmente designado por Painéis de S. Vicente -, um dos momentos exponenciais da pintura quatrocentista portuguesa.
Descobertos em 1882 no Mosteiro de S. Vicente de Fora, os Painéis estão atualmente no Museu Nacional de Arte Antiga, em Lisboa, dispostos em forma de políptico horizontal que integra sessenta figuras em tamanho quase natural, ocupando toda a superfície de seis tábuas (da esquerda para a direita: painéis ditos dos Frades, dos Pescadores, do Infante, do Arcebispo, dos Cavaleiros e da Relíquia). A identidade dos representados continua a suscitar acesa polémica iconográfica, sendo, no entanto, certo que esta galeria coletiva de retratos procurou plasmar os grandes vultos da corte de D. Afonso V, envolvido no processo das Descobertas marítimas e na expansão no Magrebe.A partir da publicação do livro de José de Figueiredo
O Pintor Nuno Gonçalves (1910), que identifica os painéis como a Adoração a S. Vicente, o qual é representado pela dupla figura de diácono que centra as duas tábuas maiores, multiplicam-se as teses respeitantes à iconografia representada.
A polémica irá ser, no entanto, sintetizada em torno de duas propostas: a tese vicentina e a fernandina, da autoria de José Saraiva (1925), que identifica a figura central com o Infante Santo D. Fernando. Hoje parece-nos plausível e lógico, quer pela notícia do pintor ter executado uma obra para o altar de S. Vicente da Sé de Lisboa, quer pelas referências a um monumental políptico dedicado a S. Vicente, quer ainda por elementos simbólicos da própria pintura, designar a figura central como sendo S. Vicente. Também importante é o aspeto técnico da pintura aplicada em suporte de madeira, que acusa uma realização plástica vigorosa e segura, não diferindo materialmente das técnicas tradicionalmente utilizadas em Portugal, pouco tendo de comum com as de outras regiões, nomeadamente da Flandres.
Nuno Gonçalves, que o quinhentista Francisco de Holanda colocou entre os mais famosos pintores, ao enumerar as Águias da arte da Pintura europeia, consubstanciou nos Painéis uma das mais brilhantes obras da pintura portuguesa de todos os tempos. Apesar das possíveis influências flamengas e italianas que lhe são atribuíveis, perpassa por esta obra uma individualidade própria dos grandes génios, afirmando-se com um carácter específico.
Consegue mesmo libertar-se do peso da tradição flamenga reagindo contra a cópia gratuita da arte italiana, pois as sessenta figuras têm uma forma e uma individualização absolutamente surpreendentes - cada um representa um ser humano cuja personalidade se encontra bem definida, dotada de sentimentos próprios, afastando-se assim de uma mera figuração ideal.
Retirando da representação pictórica tudo o que tem um carácter eminentemente acessório, centra-se na intensidade de cada personagem, cujo olhar, um pouco distante, transporta para o seu âmago o objeto da própria pintura.
 No rigor do retrato alia simultaneamente o realismo e o sentimento, numa pintura que se diria silenciosa mas de forma alguma muda. Estamos já em presença de uma obra singularmente avançada em termos pré-renascentistas, que se afasta decididamente dos limites inventivos e estruturais do mundo gótico. A luz detém um papel de molduração escultórica das figuras cuja volumetria as dispõe hierarquicamente em torno da figura central, num jogo absolutamente equilibrado de correspondências e carregado de simbolismo iconográfico.
Obra de cariz devocional, consagra diante do nosso olhar a sociedade portuguesa, na sua vertente sagrada e profana, ao procurar representar amplos setores sociais.
Todo este friso de homens obedece a um movimento geral de orientação em direção à figura do santo, mas pelo conjunto perpassa um grau único de coerência, do qual emana equilíbrio, simetria, verticalidade e volume monumental.

2 comentários:

  1. Bom dia

    Dá-se conhecimento da publicação do nosso livro "Os Painéis em Memória do Infante D. Pedro" que se encontra disponível em www.bubok.pt (pesquisar por “painéis”).

    Defendemos nesta obra que os Painéis de S. Vicente de Fora foram executados em memória do infante D. Pedro, cuja imagem tinha sido denegrida pelos seus opositores logo a seguir à subida ao poder de D. Afonso V. Reflecte também o perdão mais tarde concedido por este rei aos partidários e familiares do antigo regente de Portugal falecido na batalha de Alfarrobeira

    O facto de termos identificado uma série de indícios e pistas relacionados o Infante D. Pedro levou-nos a esta conclusão. Vejamos alguns:

    •O “judeu” onde visualizamos um doutor em leis, beneditino, oriundo da Borgonha que só pode ser Jean Juffroy embaixador enviado pela duquesa D. Isabel com a missão, entre outras, de protestar contra o enterro vergonhoso dado ao corpo de D. Pedro, após o seu falecimento na batalha de Alfarrobeira. Chama-se a ainda atenção para o pormenor do indicador direito daquela personagem estar a apontar precisamente para o seu nome (em latim) no livro “ilegível”. A presença desta figura prova que os Painéis são uma evocação de D. Pedro, não havendo outra justificação para esta personagem estar ali.

    •O caixão e o peregrino formam um conjunto cuja leitura nos conduziu também ao Infante: um caixão aberto a significar que apesar dos sucessivos enterros dos seus restos mortais, todos estes foram em vão; um peregrino idoso a simbolizar os anos e as viagens feitos pelos ossos de D. Pedro.

    •A decifração no livro aberto do painel do Infante de uma pergunta “quem é o pai?” e a respectiva resposta “o pai…está à direita”, isto é, está a dar indicações ao observador da pintura onde se encontra o pai da rainha D. Isabel (a jovem), que localizamos na personagem com um joelho no chão do painel do Arcebispo.

    •Uma proposta, praticamente inédita, para a figura santificada baseada nas cenas e interações que vemos nos painéis centrais

    •E outros mais onde se incluem identificações para os seus familiares e apoiantes mais próximos.

    A publicação deste trabalho visa contribuir e abrir novas pistas de investigação, de modo a se poder descortinar um pouco mais o mistério que envolve os Painéis de S. Vicente de Fora.

    Cumprimentos

    Clemente
    (www.clemente-baeta.blogspot.com)

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  2. Boa tarde

    Temos o prazer de vos indicar o link onde poderão descarregar gratuitamente o ebook que inclui o meu estudo sobre os Painéis:

    http://www.bubok.pt/livros/6423/Os_Paineis_em_Memoria_do_Infante_D_Pedro_Um_Estudo

    Clemente Baeta

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