domingo, 2 de outubro de 2011

O GRANDE CISMA

Grande Cisma (1054)
Grande Cisma (1054)

Cisma é uma palavra usada para designar a divisão formal e voluntária da unidade da Igreja cristã, que, ao contrário da heresia, com a qual muitas vezes é conotada, não contém em si mesmo um desvio doutrinal.
Na história da Igreja cristã, o Grande Cisma é uma expressão que se refere simultaneamente à rutura das relações entre as Igrejas cristãs do Oriente e do Ocidente datada de 1054.
Ao período compreendido entre 1378 e 1417, durante o qual dois e, mais tarde, três papas reclamavam a sua legitimidade na direção da Igreja, dá-se o nome de Cisma do Ocidente.
Todavia, errónea e abusivamente, alguns autores designam de Grande Cisma esta divisão da Igreja do Ocidente nos séculos XIV e XV.
Esta distanciação entre as duas Igrejas cristãs, no Grande Cisma, tem raízes culturais e políticas muito profundas, cultivadas ao longo de séculos. Enquanto a cultura ocidental se foi paulatinamente transformando pela influência de povos como os Germanos, o Oriente permaneceu desde sempre ligado à tradição da cristandade helenística. Era a chamada Igreja de tradição e rito grego.
A Igreja de Constantinopla respeitou a posição de Roma como a capital original do império, mas ressentia-se de algumas exigências jurisdicionais feitas pelos papas, reforçadas no pontificado de Leão IX (1048-1054) e depois no dos seus sucessores. Para além disso, existia a oposição do Ocidente em relação ao cesaropapismo bizantino, isto é, a subordinação da Igreja oriental a um chefe secular, como acontecia na Igreja de Bizâncio.
Quando Miguel Cerulário se tornou patriarca de Constantinopla, no ano de 1043, deu início a uma campanha contra as Igrejas latinas na cidade de Constantinopla, envolvendo-se na discussão teológica da natureza do Espírito Santo, questão que viria a assumir uma grande importância nos séculos seguintes.
Roma enviou o cardeal Humberto a Constantinopla em 1054, para tentar resolver este problema. No entanto, esta visita acabou do pior modo, com a excomunhão do patriarca, um ato entendido como a excomunhão de toda a Igreja bizantina e ao qual o Sínodo e Miguel Cerulário responderam do mesmo modo a Roma.
A deterioração das relações entre as duas Igrejas contribuiu largamente para o tristemente célebre episódio do saque de Constantinopla durante a quarta Cruzada (1204). As mútuas excomunhões só foram levantadas a 7 de dezembro de 1965, pelo Papa Paulo VI e o patriarca Atenágoras I, por forma a aproximar as duas Igrejas, afastadas há séculos.
A partir de 1054 o cristão bizantino passou a ser cismático aos "olhos" do Ocidente cristão, mas apesar das duas grandes diferenças (as duas igrejas discordavam quanto à questão do "Filioque" - o Espírito Santo para os bizantinos provinha do Pai e não do Filho - e quanto à questão institucional causada pela recusa da aceitação da supremacia do papa de Roma) não deixa de ser cristão e como tal considerado.
A falta de compreensão para com a Igreja bizantina transformou-se em ódio, fomentado "pela cobiça e pela inveja dos 'romanos', um povo bárbaro e incivilizado que via com maus olhos a riqueza dos 'gregos' civilizados", como nos diz Jacques le Goff em A Civilização do Ocidente Medieval.
Em 1203, quando os cruzados ocidentais se preparavam para tomar Constantinopla, a desculpa para esta ação era a de que o imperador Alexis I era um usurpador e que os bizantinos eram uns "cismáticos". Na Idade Média, todo o desvio ou desviante deveria ser punido, algo considerado óbvio e natural para o europeu daquele tempo.
A reconciliação de Roma e da antiga Bizâncio foi, no entanto, um assunto constantemente debatido do século XI ao século XV; houve, inclusivamente, inúmeras tentativas de reaproximação das duas Igrejas. Em 1089, Alexis I promoveu discussões, depois retomadas em 1141 com João II, em 1197 com Alexis III, e por quase todos os imperadores, de meados do século XIII até 1453, quando os turcos Otomanos, muçulmanos, tomaram Constantinopla. E por duas ocasiões esta questão pareceu estar resolvida: primeiro no concílio de Lyon, em 1274, e por fim no concílio de Florença, em 1439.
A hostilidade dos ocidentais em relação a Bizâncio impedia, contudo, a resolução pacífica deste contencioso, exemplificado nos ataques de Roberto Guiscardo, em 1081, e Boemundo, em 1185, dirigidos ao Império Romano Oriental e na brutal tomada de Constantinopla a 13 de abril de 1204, para além do fracasso das negociações para a unificação das duas Igrejas. Este mau relacionamento era motivado pela incompreensão das duas civilizações, que entre si se chamavam "latinos" e não cristãos, e "gregos" e não romanos.
Estava mais uma vez em confronto a civilização "bárbara" ocidental e a culta e sofisticada civilização oriental.
Esta oposição também tinha a ver com divergentes tradições políticas. Para os ocidentais, a primordial virtude é a boa fé, enquanto que para os bizantinos era a razão de Estado. Outra razão deste desentendimento era a riqueza dos bizantinos, que inspirava críticas por parte dos ocidentais, deslumbrados com uma opulência que não conheciam na Europa ocidental desse tempo.
A Constantinopla da época era uma cidade muito rica, produtora e/ou distribuidora de produtos luxuosos como os tecidos preciosos (a seda, por exemplo); além disso, as relações que mantinha com o mundo árabe faziam dela um dos principais mercados de onde vinha a moeda de ouro.
Esta inveja resultou no terrível e já citado saque de Constantinopla de 13 de abril de 1204, que provocou a pilhagem da cidade e o sacrifício de muitos dos seus habitantes que pereceram às mãos dos cristãos, ditos "bárbaros", da quarta Cruzada.

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