sábado, 25 de maio de 2013

Hesíodo e os novos caminhos da mentalidade grega

Provavelmente no final do séc. VIII a.C., surge um poeta que compõe várias obras, de que só chegam até nós a Teogonia e os Trabalhos e Dias. Estas representam qualquer coisa de inédito até então: “o poeta fala de si, dá o seu nome e profissão, alude à sua experiência pessoal. Já não é alguém escondido por trás da poesia impessoal que é a epopeia, mas alguém que se sente um indivíduo destacado dos demais. […]” Além disso, Hesíodo distingue-se ainda pela “noção da função didáctica da sua poesia, e se, como Homero, invoca as Musas, só ele especifica que é a verdade que vai ensinar. O didactismo ficará como típico de Hesíodo. Na Teogonia conta as origens do mundo e dos deuses. Do Chaos (abismo), bem como da Terra e de Eros, sem que sejam claras as ligações entre eles, saem as primeiras divindades. […] Tais seres vão-se individualizando aos poucos, até estarmos na presença de deuses. Depois vem Uranos, ao qual sucede Cronos, e a estes Zeus, que sucessivamente se mutilam e destronam.” Hesíodo terá sido influenciado por lendas orientais: hititas, babilónicas e fenícias. A transmissão terá sido feita em tempos minóicos e mantida até ao tempo do poeta. Na versão de Hesíodo “não se trata apenas de uma sucessão violenta de vários soberanos dos céus, há um caminho ascensional para a ordem estabelecida por Zeus, que é o triunfo da Justiça.” No que diz respeito à obra Trabalho e Dias, conhecem-se textos didácticos parecidos, de origem suméria, babilónia, egípcia, em que um pai ensina ao filho preceitos de agricultura ou de outra ordem, ou em que um filho bom constrasta com outro dissipador. Neste segundo poema, Hesíodo tenta reconduzir ao bom caminho seu irmão Perses. “O poeta faz o elogio do trabalho e da justiça. Depois fornece minuciosos ensinamentos sobre a agricultura, a que se junta algumas dezenas de versos sobre a navegação. Segue-se uma série de preceitos sobre o comportamento a adoptar para com os outros e consigo mesmo, e por último a enumeração dos dias propícios e nefastos às diversas actividades, em que impera a superstição. O cenário da parte central do poema é a natureza. Não a natureza objecto de gozo ou felicidade, mas o teatro da constante luta da humanidade. O herói agora é o homem, que trabalha duramente. Esse trabalho é digno, e conduz à superioridade. Outro eixo do mundo moral de Hesíodo é a justiça, que distingue homens dos animais. É graças a ambos que se chega ao mérito […]. Podemos ainda reconhecer-lhe dois grandes feitos: a tentativa de codificação de lendas divinas e a aplicação da técnica épica aos actos da vida diária. […] Mas nem tudo é enumeração de preceitos ou exortação neste poema. Também aqui há outros processos de expor a verdade: a fábula ou o mito […]. O primeiro mito, o de Pandora, propõe-se explicar as origens do mal […]. O outro mito é o das Cinco Idades, que procura explicar a degeneração da humanidade. […] Com a poesia de Hesíodo ficam abertos muitos caminhos novos à mentalidade grega.”

 Maria Helena da Rocha Pereira, Estudos da História da Cultura Clássica, Vol. I, Cultura Grega

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