terça-feira, 28 de maio de 2013

CRISTANDADE

“ Mas há vários tipos de monges (…) distinguiram-se pela fundação de mosteiros (…) os monges irlandeses (…) no século VI, o monge Bento de Núrsia, elaborou uma regra moderada (…) os monges beneditinos (…) as ordens de Cluny e de Cister, São Bernardo de Claraval.”

Opinião do Papa Gregório Magno acerca das obras de arte

“as obras de arte têm pleno direito de existir, pois o seu fim não era ser adoradas pelos fiéis, mas ensinar os ignorantes. O que os doutores podem ler com a sua inteligência nos livros, o vêem os ignorantes com os seus olhos nos relevos e nas esculturas.”

Papa Gregório Magno (540/604)

AS CRUZADAS

"Ela é verdadeiramente santa e segura essa cavalaria (…) desde que combata por Cristo (…) para os cavaleiros de Cristo, é em toda a segurança que combatem pelo senhor sem temor de pecar por matar os seus adversários, nem de se perderem, se morrerem eles próprios. Quer dêem a morte quer a sofram, é sempre uma morte por Cristo, não tem nada de criminoso e é muito gloriosa: com efeito se matam fazem-no pelo Senhor, se morrem, o Senhor está com eles."

S. Bernardo de Claraval, Elogio da Nova Milícia (1091/1153)

JIHAD

"Ó crentes! Ponde-vos em guarda! Lançai-vos contra os vossos inimigos em grupos ou em blocos. (…) Àqueles que combatem na senda por Allah, quer estejam mortos, quer estejam vitoriosos, conceder-se-á uma enorme recompensa. Como não combatereis na senda de Allah, em favor dos homens débeis, das mulheres e das crianças que dizem: “Senhor nosso! Irai-nos deste povo cujas sendas são injustas! Dai-nos um chefe designado por Voas! Dai-nos um defensor designado por Vós."

Corão, 4, 73

O MOSTEIRO

"O monaquismo cristão surgiu no Oriente, no século IV. Nasceu ligado ao desejo de isolamento e de evasão do mundo profano. No Ocidente, o monaquismo apareceu mais tarde, no final do século V, por iniciativa dos bispos. A partir do século VI, surgiram os primeiros legisladores da vida religiosa comunitária como são Bento. Os regulamentos que este escreveu para os cenobitas (monges), serviram de modelo à grande maioria dos mosteiros europeus. Isto deveu-se ao rigor e espírito de perfeição posto por São bento na sua regra. (…) Os mosteiros eram concebidos como pequenos mundos autónomos e auto-suficientes, virados para o interior e fechados ao exterior. Centros de oração, meditação e ascese, os mosteiros deste período foram muito mais do que isso. Beneficiados pelas condições da época, os mosteiros transformaram-se em centros dinamizadores da economia. Mas o seu principal papel foi no campo cultural, centros privilegiados de produção intelectual, os seus habitantes transformaram-se nos principais guardiães do saber erudito durante a Idade média, de facto, os mosteiros representaram durante esta cronologia, os principais centros de difusão cultural."

Baseado em Ana Lídia Pinto, História da Cultura e das Artes, Porto, Porto editora, 2007

A desagregação do Império Romano

"Dois movimentos conjugados contribuíram para a desagregação do Império Romano: o Cristianismo e as Invasões Bárbaras. O primeiro, provocou uma alteração muito significativa no campo das mentalidades, pois introduziu uma nova visão da religiosidade, e não só, chegou mesmo a propor uma nova e revolucionária organização social. O segundo, gerou uma disposição nos espaços do antigo Império, a pouco e pouco, a unidade política que Roma havia construído deu lugar a uma fragmentação territorial, assistindo-se assim, à génese de muitos dos actuais países europeus, que resultaram directamente da síntese cultural que foi feita entre a cultura do Império e a cultura dos povos invasores. A vida material também sofreu importantes alterações estruturais. Com o fim das vias de comunicação, sobretudo das estradas romanas, surgiu uma nova organização económica que, ao contrário da anterior, era pobre, pouco dinâmica, insegura e ineficaz. Logicamente, esta desorganização das trocas fez aumentar a fome e a fome levou as massas para os campos e submeteu-as à servidão perante os dadores de pão, os grandes proprietários".

Baseado em Jacques Le Goff, A Civilização do Ocidente Medieval, Lisboa, ed. Estampa, 1994

sábado, 25 de maio de 2013

Fonte Histórica


O conhecimento do passado “não pode atingir-se diretamente mas através dos traços que ele deixou atrás de si […] na medida em que esses traços subsistam, em que nós os encontramos e em que sejamos capazes de os interpretar “. [Henri Marrou] 
Esses “traços” são as fontes da História.
Fonte histórica entende-se tudo aquilo que permaneceu do passado até ao presente e que (ainda nas palavras de Henri Marrou) pode revelar “qualquer coisa sobre a presença, a atividade, os sentimentos, a mentalidade do Homem de outrora”.

Idade do Bronze: Civilização Minóica e Micénica

"É muito conhecido o perfil do extremo da Península Balcânica, com os múltiplos recortes da sua costa, o acidentado dos seus relevos, a escassez de águas, a pobreza do solo. Mas, por outro lado, um clima mediterrâneo e grande facilidade de comunicações por mar. O mar é o traço de união entre as várias partes que compõem o mundo helénico: Grécia continental, Grécia insular e Iónia, nas costas da Ásia Menor, e ainda as muitas colónias que sucessivamente se vão espalhando pelo Mediterrâneo. Mas isso é posterior. A princípio, o mundo grego é mais limitado. Podemos dizer que, na Idade do Bronze, três civilizações que florescem quase simultameamente em Creta, no Continente e nas Ilhas do Mar Egeu. [...] Destas civilizações, a mais evoluída seria a minóica. Da Creta antiga conhecia-se a lenda do Minotauro. [...] Esta esplendorosa civilização distingue-se pelo requinte nas artes (belas pinturas a fresco, com relevos, estatuetas, gemas de ouro trabalhadas, e cerâmica decorada com motivos animais e vegetais), grandiosos palácios (com colunas a afunilar para a base e com engenhosas soluções para a iluminação interior e esgotos) e conhecia a escrita. [...] Com a ascenção dos Micénicos, os Minóicos acabam por ser dominados. Porém, o seu legado vive no sistema de escrita micénico e na arte da pintura. [...] Os Micénicos são um povo guerreiro, que parece ter vindo do norte da Europa, a avaliar pelo seu tipo físico (altos e loiros, em oposição aos Minóicos). [...] Em 1100, a invasão dórica vêm por termo a toda esta prosperidade . [...] Depois da «Idade Obscura», que ocupa o séc. X, IX e parte do VIII, surge o renascimento da cultura: a primeira Olimpíada, em 776 a.C.; a valorização do oráculo de Delfos; e a introdução do alfabeto. E, além disso, o maior de todos os monumentos: os Poemas Homéricos."

 Maria Helena da Rocha Pereira, Estudos da História da Cultura Clássica, Vol. I, Cultura Grega.

Os Poemas Homéricos

"Se considerarmos a Odisseia em face da Ilíada entre as semelhanças, pode apontar-se que os conceitos éticos, as normas de convívio social, o respeito pelos suplicantes e hóspedes são iguais. O fundo arqueológico e linguístico é parecido. Os processos literários são idênticos ; a ambos é comum a maneira quase visual de descrever as mais simples acções. Mas há divergências (para além das que resultam da diversidade do tema) que não podem deixar de se assinalar. Essas são de carácter religioso, ideológico, arqueológico e linguístico. Os deuses são, com efeito, os mesmos, mas o conceito de divindade depurou-se, no sentido de um progressivo afastamento humano. Temos na Odisseia, pela primeira vez, as noções correlativas de culpa e castigo e de justiça. [...] Os deuses são agora justiceiros. A insolência dos pretendentes, a quem falta a vergonha, é punida. [...] A justiça parece equivaler ao temor dos deuses [...]. Outra novidade é a presença de uma personalidade em desenvolvimento [...]. O gozo na contemplação da natureza [...], é também novidade da Odisseia. Podemos acresentar-lhe outra menor, mas bastante significativa, que é a evolução no trato com os animais.

 Maria Helena da Rocha Pereira, Estudos da História da Cultura Clássica, Vol. I, Cultura Grega

Homero, Educador da Grécia

“Os poemas homéricos exerceram uma influência tão grande que não pode compreender a cultura grega quem deles não tenha algum conhecimento. Muito cedo começou a sua difusão. A princípio eram transmitidos oralmente e escutados em ocasiões festivas […]. A cantados ao som da cítara ou recitados, podem ouvir-se no festival das Panateneias ou em concursos. E são aprendidos nas escolas […]. Por tudo isto é que Platão, na República, dá como opinião corrente no seu tempo que Homero fora o educador da Grécia. Aristóteles declara na Poética que na Ilíada e Odisseia está o embrião da tragédia, como no Margites estava o da comédia. […] O texto homérico servia até para apoiar reivindicações territoriais […]. A partir dos Sofistas, a Ilíada e a Odisseia eram consideradas uma espécie de enciclopédia. E os filósofos e mestres helenísticos caem no exagero de as interpretar alegoricamente. Por exemplo, os errores de Ulisses eram os trâmites por que passava a alma humana. Por tal processo, acabam por ver nas epopeias um manual de filosofia. A influência nos ideais, propondo à admiração dos ouvintes a coragem de um Aquiles […] pela sua moral heróica da honra. […] Esse valor do paradigma, exercem-no os próprios Poemas sobre as gerações subsquentes.”

 Maria Helena da Rocha Pereira, Estudos da História da Cultura Clássica, Vol. I, Cultura Grega.

Hesíodo e os novos caminhos da mentalidade grega

Provavelmente no final do séc. VIII a.C., surge um poeta que compõe várias obras, de que só chegam até nós a Teogonia e os Trabalhos e Dias. Estas representam qualquer coisa de inédito até então: “o poeta fala de si, dá o seu nome e profissão, alude à sua experiência pessoal. Já não é alguém escondido por trás da poesia impessoal que é a epopeia, mas alguém que se sente um indivíduo destacado dos demais. […]” Além disso, Hesíodo distingue-se ainda pela “noção da função didáctica da sua poesia, e se, como Homero, invoca as Musas, só ele especifica que é a verdade que vai ensinar. O didactismo ficará como típico de Hesíodo. Na Teogonia conta as origens do mundo e dos deuses. Do Chaos (abismo), bem como da Terra e de Eros, sem que sejam claras as ligações entre eles, saem as primeiras divindades. […] Tais seres vão-se individualizando aos poucos, até estarmos na presença de deuses. Depois vem Uranos, ao qual sucede Cronos, e a estes Zeus, que sucessivamente se mutilam e destronam.” Hesíodo terá sido influenciado por lendas orientais: hititas, babilónicas e fenícias. A transmissão terá sido feita em tempos minóicos e mantida até ao tempo do poeta. Na versão de Hesíodo “não se trata apenas de uma sucessão violenta de vários soberanos dos céus, há um caminho ascensional para a ordem estabelecida por Zeus, que é o triunfo da Justiça.” No que diz respeito à obra Trabalho e Dias, conhecem-se textos didácticos parecidos, de origem suméria, babilónia, egípcia, em que um pai ensina ao filho preceitos de agricultura ou de outra ordem, ou em que um filho bom constrasta com outro dissipador. Neste segundo poema, Hesíodo tenta reconduzir ao bom caminho seu irmão Perses. “O poeta faz o elogio do trabalho e da justiça. Depois fornece minuciosos ensinamentos sobre a agricultura, a que se junta algumas dezenas de versos sobre a navegação. Segue-se uma série de preceitos sobre o comportamento a adoptar para com os outros e consigo mesmo, e por último a enumeração dos dias propícios e nefastos às diversas actividades, em que impera a superstição. O cenário da parte central do poema é a natureza. Não a natureza objecto de gozo ou felicidade, mas o teatro da constante luta da humanidade. O herói agora é o homem, que trabalha duramente. Esse trabalho é digno, e conduz à superioridade. Outro eixo do mundo moral de Hesíodo é a justiça, que distingue homens dos animais. É graças a ambos que se chega ao mérito […]. Podemos ainda reconhecer-lhe dois grandes feitos: a tentativa de codificação de lendas divinas e a aplicação da técnica épica aos actos da vida diária. […] Mas nem tudo é enumeração de preceitos ou exortação neste poema. Também aqui há outros processos de expor a verdade: a fábula ou o mito […]. O primeiro mito, o de Pandora, propõe-se explicar as origens do mal […]. O outro mito é o das Cinco Idades, que procura explicar a degeneração da humanidade. […] Com a poesia de Hesíodo ficam abertos muitos caminhos novos à mentalidade grega.”

 Maria Helena da Rocha Pereira, Estudos da História da Cultura Clássica, Vol. I, Cultura Grega

Das tiranias à Democracia

“A insegurança social abre caminho à tirania, na qual um homem sobe ao poder pela força, com o apoio da classe comerciante. A tirania é um regime político que se encontra em qualquer período da história grega, mas, como fenómeno preponderante e generalizado, pode considerar-se típico da Época Arcaica – exceptuarmos a cidade de Esparta, que manteve sempre a sua monarquia dualista. Geralmente, esta tirania não reveste, no entanto, o carácter odioso que para sempre lhe ficou adstrito quando, após a Guerra do Peloponeso, os Trinta Tiranos governaram Atenas. (...) Os tiranos comportavam-se em geral como déspotas esclarecidos. Rodeavam-se de poetas (...). Em Atenas, cuja tirania foi, por mais surpreendente que pareça, das últimas a acabar, acção dos Pisístratos é notável. Fazem grandes obras, quer na Acrópole, quer na Ágora e principiam o templo colossal de Zeus Olímpico (…); abastecem de água a cidade; tomam medidas económicas importantes, como os empréstimos aos lavradores em dificuldades; efectuam reformas religiosas, de grande projecção cultural também, como a reorganização das Panateneias, com a recitação dos Poemas Homéricos, e a instituição das Grandes Dionísias, junto das quais nascerá o teatro.”

 Maria Helena da Rocha Pereira, Estudos da História da Cultura Clássica, Vol. I, Cultura Grega, 1998

Péricles e o elogio da democracia ateniense

“O nosso sistema político não inveja as leis dos nossos vizinhos, pois temos mais de paradigmas para os outros do que de seus imitadores. O seu nome é democracia, pelo facto da direcção do Estado não se limitar a poucos, mas se estender à maioria; em relação às questões particulares, há igualdade perante a lei; quanto à consideração social, à medida em que cada um é conceituado, não se lhe dá preferência nas honras públicas pela sua classe, mas pelo seu mérito; nem tão pouco o afastam pela sua pobreza, ou pela obscuridade da sua categoria, se for capaz de fazer algum bem à cidade. (…) Além disso, pusemos à disposição do espírito muitas possibilidades de nos repousarmos das fadigas. Temos competições e sacrifícios tradicionais pelo ano fora; e usufruímos de belas casas particulares (…). Devido à grandeza da cidade, afluem aqui todos os produtos (…) e acontece que desfrutamos dos bens locais com não menos abundância (…). Em resumo, direi que esta cidade, no seu conjunto, é a escola da Grécia.”

 Discurso de Péricles, citado por Tucídes em A Guerra do Peloponeso (século V a.C.), in Claude Mossé, As Instituições Gregas, Lisboa, Edições 70, 1985, p. 53

As raízes do processo democrático

“Não podemos esquecer, que [a democracia] é resultante de um processo histórico, cujas raízes se encontram no começo do séc. VI e, mais concretamente, na acção de Sólon. Porém, antes dele existiu Drácon, autor de leis que ficaram famosas pela sua extrema severidade, entre as quais a que condenava à perda de liberdade o devedor insolvente. Ora precisamente uma das medidas mais importantes de Sólon foi a abolição da escravatura por dívidas. Outras forma as de protecção à agricultura e indústria (obrigação de cada pai ensinar ao filho a sua arte, e chamada a Atenas de artífices de fora, aos quais concedia a cidadania) e ao comércio, a criação de uma moeda própria, a alteração de pesos e medidas, e, sobretudo, a instituição do tribunal do Helieu, para o qual todos tinham o direito de apelar contra as sentenças dos magistrados, cujo poder ficava assim cerceado. Sólon acabou por abolir todas as leis de Drácon, excepto as referentes ao homicídio. A parte mais frágil das suas reformas foi a criação de das quatro classes censitárias – os eupátridas e os cavaleiros (que constituíam a nobreza ou aristocracia, grande latifundiária e dedicada à guerra), zeugitas (homens livres com acesso à propriedade do solo), tetas (camponeses livres, sem terra) e escravos – das quais as duas primeiras tinham acesso ao arcontado, a ao Conselho e a última à Assembleia e ao Helieu. Esta divisão causa de muita discórdia, foi alterada no final do séc. VI por Clístenes, que, em vez de se basear no parentesco e nos rendimentos, se norteou pela distribuição geográfica, criando as dez tribos de Atenas, cada uma delas composta por três trítias, tiradas das três regiões em que repartiu a Ática: cidade, litoral, interior. É com a obra de Clístenes que se completa, alargando-a, da liberdade pessoal e dos processos judiciários (votar e falar em público), ao campo eleitoral, a famosa isonomia, que se opõe à tirania.”

 Maria Helena da Rocha Pereira, Estudos da História da Cultura Clássica, Vol. I, Cultura Grega, 1998

O nascimento da Democracia

“Não podemos esquecer, que [a democracia] é resultante de um processo histórico, cujas raízes se encontram no começo do séc. VI e, mais concretamente, na acção de Sólon. Porém, antes dele existiu Drácon, autor de leis que ficaram famosas pela sua extrema severidade, entre as quais a que condenava à perda de liberdade o devedor insolvente. Ora precisamente uma das medidas mais importantes de Sólon foi a abolição da escravatura por dívidas (impediu que se fizessem empréstimos sob hipoteca das próprias pessoas). (…) Por outro lado, instituiu do tribunal do Helieu, para o qual todos tinham o direito de apelar contra as sentenças dos magistrados, cujo poder ficava assim cerceado. A parte mais frágil das suas reformas foi a criação de das quatro classes censitárias – os eupátridas e os cavaleiros (que constituíam a nobreza ou aristocracia, grande latifundiária e dedicada à guerra), zeugitas (homens livres com acesso à propriedade do solo), tetas (camponeses livres, sem terra) e escravos – das quais as duas primeiras tinham acesso ao arcontado, a terceira ao Conselho e a última à Assembleia e ao Helieu. Esta divisão causa de muita discórdia, foi alterada no final do séc. VI por Clístenes, que, em vez de se basear no parentesco e nos rendimentos (a fim de que se perdesse o uso do nome de família), se norteou pela distribuição geográfica, criando as dez tribos de Atenas, cada uma delas composta por três trítias, tiradas das três regiões em que repartiu a Ática: cidade, litoral, interior. É com a obra de Clístenes que se completa, alargando-a, da liberdade pessoal e dos processos judiciários (votar e falar em público), ao campo eleitoral, a famosa isonomia, que se opõe à tirania” (Pereira, 1998). No séc. V, Péricles sabe que “a participação dos mais pobres nas magistraturas será puramente teórica, enquanto não forem salariados os cidadãos (…) sem preocupações de perda de ganho. (…) Quanto a indemnizações, criou-as para os membros da Bule, para os militares e também para a participação dos cidadãos nas numerosas festas da República. Em contrapartida, não concederá nunca indemnização de desocupação para a Assembleia do Povo, onde a presença dos cidadãos é um dever” (Bonnard, 2007). Os Atenienses possuíam igualdade nos direitos (isonomia), no falar (isegoria) e no poder (isocracia). A isonomia estabelecia que as leis eram iguais para todos os cidadãos, independentemente da riqueza ou do prestígio destes, garantia que o cidadão se destacava pelo mérito e não pelos bens ou nascimento. A isocracia era uma norma que estabelecia que todos os cidadãos tinham igual direito ao voto e a desempenhar cargos políticos, encorajava a participação na vida política da cidade. Para que nenhum cidadão, nem mesmo o mais pobre, fosse afastado da vida cívica, os cargos eram remunerados (mistoforias). No entanto, esse pagamento era mais baixodo que o de um pedreiro, de modo a que os cargos políticos não fossem procurados para enriquecimento de quem os executava. Vários cargos, como o de membro da Bulé, o de arconte e o de membro do tribunal do Helieu eram sorteados, para que todos pudessem intervir. Por último, privilegiava-se a rotatividade das funções, de modo a evitar que um tirano se apoderasse do governo da cidade. Por último, a isegoria – igual direito de todos os cidadãos ao uso da palavra – favorecia o discurso político como forma de participação cívica. A oratória (dom da palavra) era altamente valorizada. A palavra isegoria “era algumas vezes empregada pelos escritores gregos como sinónimo de democracia” (Finley, 1988). Existiam mesmo escolas de bem falar. Isócrates afirmava, por isso, que a maneira de falar “é o sinal mais seguro da educação de cada um de nós”. No entanto, já nessa época se alertava contra a prática da demagogia (conquista da confiança do povo através do discurso vazio ou de promessas irrealizáveis). Praticava-se, portanto uma democracia directa, bem diferente da democracia representiva dos nossos dias.

As instituições democráticas de Atenas

"O cidadão é o que tem parte na decisão e no comando. Esta participação exerce-se através das assembleias, dos conselhos e dos tribunais. Retomando o caso de Atenas, temos em primeiro lugar um órgão que abrangia a totalidade dos cidadãos, Eclésia ou assembleia. Composta por cidadãos do sexo masculino com o serviço militar já cumprido, inscritos nas demos atenienses. A Eclésia possuía funções legislativas e deliberativas: propunha, discutia e aprovava as leis e o ostracismo; designava por eleição ou sorteio, os magistrados e fiscalizava a sua actuação; decidia sobre a guerra ou a paz; negociava e ratifica tratados; controlava as finanças e as obras públicas; julgava crimes políticos. As suas decisões eram tomadas por maioria de votação, e esta fazia-se geralmente de braço no ar. Para não afastar os cidadãos dos seus afazeres, a Eclésia reunia três a quatro vezes por mês, embora algumas sessões durassem mais do que um dia. Um outro, a Bulé ou conselho, contava cinquenta representantes de cada tribo, o que perfazia um total de quinhentos membros. Para o exercício das suas funções, os buletas subdividiam-se em dez sessões especializadas, cada uma com 50 membros. As pritanias sucediam-se ao longo do ano na chefia do poder sob presidência do epístata, espécie de chefe de Governo, sorteado diariamente e sem direito a reeleição. Para este conselho, qualquer cidadão podia ser nomeado, mas não mais de duas vezes na vida, e essas não seguidas, o que assegurava a rotatividade de exercício de tais funções. Para além dos buletas, o Governo ateniense contava ainda com um corpo de magistrados que executavam todo o tipo de funções públicas e faziam cumprir as leis. Eram designados por eleição ou sorteio, consoante os cargos, e possuíam mandatos anuais. O seu desempenho era fiscalizado pela Bulé e pela Eclésia, a quem tinham de apresentar contas no final dos seus mandatos, apresentando, inclusive, relatório dos bens pessoais tidos no início e no fim da função exercida. Deste corpo de magistrados os mais importantes eram os arcontes e os estrategos. Os arcontes (10 em cada ano) eram sorteados na Eclésia, a partir de listas fornecidas pelos demos (um por cada tribo). Organizavam as grandes cerimónias religiosas e fúnebres e presidiam aos tribunais. Os estrategos (10 em cada ano) ocupavam-se das questões militares, na chefia da marinha e do exército e regiam a política externa. Não eram sorteados, mas eleitos, mediante listas propostas pelas tribos, podendo cumprir vários mandatos. Os escolhidos eram, quase todos, descendentes das famílias nobres (antigos eupátridas). A aplicação da justiça cabia a dois tribunais. O Areópago era formado pelos arcontes que haviam cessado funções e que nele possuíam assento vitalício; julgava os crimes religiosos, os homicídios e os de incêndio. O Helieu julgava todos os restantes delitos; compunham-no 6000 juízes (600 por cada tribo), sorteados anualmente, que funcionavam divididos por secções; os julgamentos constavam das alegações do acusador e do acusado, posto o que se seguia o veredicto dos juízes que decidiam colectivamente, por maioria, através do voto secreto. “A preocupação de contrabalançar os perigos que eventualmente podiam conduzir à degeneração do sistema deu origem a duas medidas preventivas famosas: o ostracismo e a acusação de se ter feito uma proposta ilegal à Assembleia. Pela primeira, um cidadão demasiado influente era afastado da cena política por um período que podia ir até dez anos; pela segunda, podia ser castigado quem tivesse apresentado à Assembleia uma proposta ilegal, ainda que aprovada por aquela”

(Pereira, 1998).

A Concepção do Homem nos Poemas Homéricos

“O homem é o mais frágil de todos os seres sobre a terra; mas conforma-se com a sorte que Zeus lhe manda. O homem [está] na dependência dos deuses […]. Mas, por outro lado, o valor dos homens afere-se pelo interesse que por eles tomam os deus. Paradoxalmente, este ser extremamente frágil é feito para a luta, e sente-se feliz por medir as suas forças contra os obstáculos. Quer na guerra – nos inúmeros e sucessivos recontros da Ilíada […]; quer nas múltiplas aventuras de Ulisses – o espírito agónico grego não falta nunca. A ele se associa uma viva curiosidade pelo desconhecido, um interesse nunca afrouxado pelo mundo circundante – que não são menos característicos do homem homérico.”

Maria Helena da Rocha Pereira, Estudos da História da Cultura Clássica, Vol. I, Cultura Grega

A Concepção da Divindade nos Poemas Homéricos

“Sobre a religião homérica continua a pairar a dúvida, se é original dos Poemas, se existia já. […] Numa primeira linha de investigação e, através de uma análise do texto Ilíada, demonstrou-se que os próprios deuses são moldados pelas exigências da história e como certos mitos foram criados para motivar o seu desenvolvimento. A segunda destas tendências tem mostrado que “algumas divindades têm características que fazem supor que resultam de uma adaptação de figuras de religiões asiáticas (como Afrodite, Hefestos, Ártemis), ao passo que outras são predominantemente helénicas, como Hera, Atena, Poséidon, Hermes, Deméter e, sobretudo, Zeus”. “Na religião homérica, as suas divindades eram luminosas e antropomórficas, o que, pondo de parte a religião hebraica, que é um caso único e sem paralelo, representa uma superioridade sobre as demais da Antiguidade. Em vez de potências ocultas e terríveis, temos formas claras, que se comportam e reagem como seres humanos superlativados. […] São mais altos, mais fortes, mais belos (com excepção de Hefestos). […] Não conhecem a velhice nem a morte e a sua vida é fácil. Misturam-se com os homens na Ilíada, e algumas vezes aparecem-lhes disfarçados, mas são reconhecidos. Combatem junto dos heróis que protegem e advertem-nos dos perigos […]. Os deuses têm também defeitos dos homens. […] Se por um lado, há um princípio de hierarquia, pois Zeus está acima de todos, por outro ele mantém a sua posição com uma dificuldade que encontra paralelo na de Agamémnon perante os outros chefes aqueus.[…] Na Odisseia já há mais do que isso: os deuses já não enganam os homens e esforçam-se por lhes impor regras de procedimento moral. […]” Estamos perante uma “crença religiosa bem definida, em que a acção divina é supérflua para explicar o sucedido, o que prova que ela não foi inventada para tirar o poeta de dificuldades. […] Finalmente, deve acentuar-se que o modo de intervenção das divindades diverge de um para outro poema. Na Ilíada são móbil de acção […]. Na Odisseia, estão mais distanciados, apresentam-se em sonhos ou disfarçados e são tutelares ou então entidades perseguidoras […]. Os concílios dos deuses já não são tumultuosos e desordeiros, como nos poemas mais antigos, mas calmos e hieráticos. Este progresso no sentido da idealização vai reflectir-se na concepção da morada das divindades. Em vez de ser uma montanha real, situada na Tessália […], o Olimpo passou a ser um lugar ideal onde não chove nem neva. […] Além disso, […] temos ainda uma diferença mais profunda, uma vez que é o deus supremo que garante o cumprimento da justiça.” .

Maria Helena da Rocha Pereira, Estudos da História da Cultura Clássica, Vol. I, Cultura Grega

As origens da Polis

“Umas das características mais salientes da organização da vida grega, é o regime da polis ou cidade-estado, fenómeno singular, cuja explicação cabal ainda não foi dada. É certo que o factor geográfico (compartimentação das terras pelas altas montanhas, dificuldades de comunicação) favorece a eclosão do sistema (…). O factor geográfico será, pois, quando muito, umas das causas a apontar. Outra, que já tem sido indicada com mais razão, é que a insegurança posterior à invasão dórica e a falta de um poder central forte que defendesse os homens os levou a unir-se em pequenos territórios. (…) Cada polis era uma pequena nação, e a Hélade uma unidade supranacional, como a Europa moderna em relação aos vários países independentes que a compõem (…). Como afirma Heródoto os gregos tinham o mesmo sangue, a mesma língua, templos dos deuses e sacrifícios comuns, bem como os hábitos e costumes. Sentiam-se Gregos não pelo critério da raça, mas da identidade de língua, religião, costumes, enfim, pela cultura, como defendia Isócratres. Além disso, os Gregos viviam numa polis, sujeitos apenas às suas leis, o que, a seu ver, os distinguia dos bárbaros, mais do que qualquer outro predicado. A polis é um sistema de vida, e, por consequência, forma os cidadãos que nela habitam. Mas afinal como se concretiza este fenómeno? Uma certa extensão territorial, nunca muito grande, continha uma cidade, onde havia o lar com o fogo sagrado, os templos, as repartições dos magistrados, a agora, onde se efectuavam as transacções; e, habitualmente, a cidadela, na acrópole. A cidade vivia do seu território e a sua economia era essencialmente agrária. Cada uma tinha a sua constituição própria, de acordo com a qual exercia três espécies de actividade: legislativa, judiciária e administrativa. Não menores eram os deveres para com os deuses, pois a polis assentava em bases religiosas, e as cerimónias do culto eram ao mesmo tempo obrigações civis, desempenhadas pelos magistrados. É neste regime político, que emergira da Idade Obscura, que a Grécia viverá até à época helenística, em que finalmente se há-de dissolver.” .

Maria Helena da Rocha Pereira, Estudos da História da Cultura Clássica, Vol. I, Cultura Grega, 1998

Acrópole e ágora – almas, corpos e leis

“A designação dos espaços poderia ser a seguinte. As mesas comuns dos magistrados supremos e os templos deveriam partilhar do mesmo espaço (…). Tal lugar apropriado seria aquele que se evidenciasse, a ponto de tornar a virtude digna de ser vista e fosse suficientemente seguro em relação às partes vizinhas da cidade. Nas imediações desse lugar destacado, dever-se-ia instalar uma praça (…) a quem chamam Praça Livre. Essa praça estaria livre, com efeito, de qualquer tipo de comércio, e de acesso interdito a artesãos, agricultores ou indivíduos do género, excepto nos casos em que os magistrados o permitissem. Um lugar assim tornar-se-ia deveras aprazível se nele se erigissem ginásios para adultos, pois essa instituição deve também diferenciar-se consoante as idades (…). A praça do mercado, por seu turno, deveria ser um local distinto e separado daquela, propício para a acumulação de todos os produtos, tanto os transportados por mar como por terra. (…) Com efeito, enquanto a praça pública situada num ponto de destaque é destinada ao ócio, a praça do mercado destina-se às actividades de subsistência.”

 Aristóteles, A Política

A Sociedade Ateniense

“Na cidade viviam umas centenas de famílias de grande riqueza: cidadãos que viviam do rendimento das suas propriedades e, ocasionalmente, do investimento em escravos; não cidadãos [metecos], cuja base da económica era o comércio, a fabricação ou o empréstimo de dinheiro. (…) Os ricos eram essencialmente donos de propriedades à renda, disponíveis para se dedicarem à política, ao estudo ou à simples ociosidade. (…) Na agricultura e na manufactura, os escravos eram em menor número, sendo excedidos nesses ramos da economia pelos camponeses livres e, provavelmente também, pelos artesãos independentes. Contudo, era nessas áreas produtivas que o significado dos escravos atingia maior alcance, porque libertavam das preocupações económicas, ou até da actividade, os homens que chefiavam politicamente o Estado, bem como, em larga medida, igualmente no plano intelectual. A maioria dos Atenienses, quer possuísse um escravo, dois ou nenhum, tratavam de ganhar a vida, e muitos deles não conseguiam passar de um nível baixíssimo.”

 M. I. Finley, Os Gregos Antigos, Lisboa, Edições 70, 1988, pp. 61-62

Os Metecos

“Os metecos eram homens livres, gregos e não gregos, (…) findo um determinado prazo de estadia (…) (talvez um mês) o estrangeiro de passagem em Atenas devia obrigatoriamente inscrever-se como meteco, senão era passível de ser vendido como escravo (…) estavam submetidos a diversas obrigações: tinham de pagar ometoikion (imposto sobre os metecos), (…) [outro] imposto para terem o direito de exercer o comércio da ágora (…) tinha igualmente a obrigação de arranjar (…) um patrono, cidadão ateniense que se encarregava de os representar em justiça. Os metecos tinham ainda de se inscrever como estando domiciliados num dos demos da Ática (a maior parte deles habitava em Atenas, e, sobretudo no Pireu, principal centro de actividade económica da Ática) (…). Finalmente, os metecos estavam obrigados, de acordo com a sua riqueza, aos mesmos deveres financeiros que os cidadãos (liturgias, impostos de guerra). Serviam o exército em contingentes separados, (…) serviam igualmente na frota, como remadores. (…) O meteco não tinha qualquer direito político: não podia tomar parte na assembleia nem no conselho, nem ocupar nenhuma magistratura.”

 Michel Austin e Pierre Vidal-Naquet, Economia e Sociedade na Grécia Antiga, Lisboa, Edições 70, 1986, pp. 102-10

Cidadãos e Escravos

“A própria natureza assim o quis, dado que fez os corpos dos homens livres diferentes do dos escravos, dando a estes o vigor necessário para as obras difíceis da sociedade, dando a estes o vigor necessário para as obras difíceis da sociedade, e fazendo, contrariamente, os primeiros incapazes de dobrar o seu erecto corpo para dedicar-se a trabalhos duros, e destinando-os somente às funções da vida civil, repartida entre as ocupações da guerra e da paz. (…) Seja como for, é evidente que os primeiros são naturalmente livres e os segundos naturalmente escravos; e que para estes últimos é a servidão tão útil como justa.”

 Aristóteles, A Política, Livro I, Cap. II

O Escravo

"Os homens têm sobre este ponto sentimentos diferentes: uns não fazem nenhuma confiança na raça dos escravos, levam-nos com o aguilhão e chicote, como animais ferozes, e tornam a sua alma, não somente três, mas dez vezes mais escrava; outros fazem exactamente o contrário. (...) Devemos tratá-los bem, não somente por eles, mas ainda em vista do nosso próprio interesse. Esse tratamento consistirá em não abusar da autoridade que temos sobre eles e em sermos ainda mais justos, se é possível, com eles que com os nossos iguais."

 Platão (428-347 a. C.), As Leis

As Mulheres na Grécia Antiga

“Reconheçamos, pois, que (…) o saber do homem não é o da mulher, que o valor e a equidade não são em ambos os mesmos, como pensava Sócrates, e que a força de um assenta no mando e a do outro na submissão. (…)Em resumo, o que diz o poeta de uma das qualidades da mulher: «Um modesto silêncio faz a honra à mulher» é igualmente exacto.”

 Aristóteles, A Política, Livro I

Lamentações de uma mulher

O dramatugo ateniense Sófocles põe na boca de Procne, filha de um lendário rei ateniense e mulher do rei da Trácia, as seguintes palavras:
"PROCNE - Fora de casa do nosso pai, não sou ninguém. Muitas vezes olho a condição das mulheres desta forma: nós somos ninguém. Quando crianças, penso, vivemos a mais doce das vidas em casa do nosso pai. Porque a inocência torna a infância feliz. Mas quando nós, uma vez chegadas à idade da razão e da puberdade, somos vendidas e empurradas para fora da casa dos nossos deuses ancestrais e dos nossos pais (...) algumas para bons lares, outras para maus (...) temos ainda que dar graças e pensar que tudo está bem."

 Sófocles (495-406 a. C.), Tereus

Aristóteles e os fundamentos da democracia

“O fundamento da constituição democrática é a liberdade. Costuma afirmar-se isso, sob alegação de que apenas nesse regime se goza de liberdade; esse é, segundo se diz, o objectivo que visa toda a democracia. Uma das características da liberdade reside em ser governado e governar à vez. A justiça democrática consiste na igualdade segundo o número e não segundo o mérito. De tal noção de justiça resulta que a soberania estará necessariamente no povo e que a opinião da maioria deverá ser o fim a conseguir e deverá ser a justiça. (…) Como resultado disso, nas democracias, os pobres são mais poderosos do que os ricos: são em maior número e a autoridade soberana está na maioria. Esse é, pois, um sinal de liberdade que todos os democratas colocam como marca do regime (…). É que a igualdade não consiste em os pobres possuírem mais poder do que os ricos ou serem os únicos detentores da soberania, mas terem todos, uns e outros, por igual, de acordo com o número. Deste modo poderiam considerar que estavam asseguradas na Constituição a igualdade e a liberdade.”

Aristóteles, A Política, III

Tucídes e a democracia ateniense

"A nossa constituição não tem nada a invejar às leis que regem os nossos vizinhos. Nós não imitamos os outros, damos o exemplo a seguir. Porque o nosso Estado é administrado no interesse da maioria (...), o nosso regime tomou o nome de democracia. No que respeita às questões entre particulares, a igualdade é assegurada a todos pelas leis. No que diz respeito à participação na vida pública, todos são considerados em razão dos seus méritos e a classe a que se pertence importa menos do que o valor pessoal de cada um. Ninguém é prejudicado pela nobreza e pela obscuridade da sua condição social se pode prestar serviço à cidade. Sendo livre no que respeita à vida pública, somo-lo igualmente nas relações quotidianas. Cada qual pode dedicar-se aos seus prazeres sem se expor à censura ou a olhares injuriosos (...). A força não intervém nas relações privadas. (...) Obedecemos sempre aos magistrados e às leis, e, destas, principalmente às que garantem a defesa dos oprimidos e que, apesar de estarem codificadas, acarretam para os que as violam um desprezo universal."

 Tucídes, História da Guerra do Peloponeso, II

O ruído de umas termas

"Imagina todas as espécies de vozes. (...) Enquanto os desportistas treinam e se exercitam nos halteres, (...) ouço gemidos; de cada vez que retomam o fôlego, segue-se um silvo e uma respiração aguda. Quando se trata de um preguiçoso ou de alguém que se contenta com uma fricção barata, ouço uma mão a bater nos ombros (...). Se, além disso, surgir um jogador que comece a contar as boladas, está tudo acabado! Acrescente-se ainda o quezilento, e o ladrão apanhado em flagrante, e o homem que se diverte a ouvir a sua própria voz enquanto toma banho. Juntem-se a tudo isto as pessoas que saltam para a piscina salpicando os outros de água. Mas todas estas pessoas têm, pelo menos, uma voz normal. Agora imagina a voz aguda e estridente dos depiladores (...) que de repente dão gritos, sem nunca se calarem, a não ser quando depilam as axilas aos outros, obrigando-os, então, a gritar por sua vez. Há ainda os gritos variados dos pasteleiros, vendedores de salsichas e de patés e de todos os moços de taberna que anunciam as suas mercadorias numa melopeia característica."

 Séneca, Cartas a Lucílio, 4 a. C. – 65 d. C.

Viver em Roma

"Vivemos numa cidade suportada por frágeis vigotas. Porque é deste modo que o administrador repara a casa prestes a cair: tapa a fissura de uma velha fenda e diz-nos que durmamos tranquilos enquanto a catástrofe paira sobre a nossa cabeça! Não, não, tenho de viver onde não haja tantos fogos, tantos alarmes nocturnos. (...) O terceiro andar já está em chamas e tu ainda não deste por nada. Desde o rés-do-chão que todos estão em pânico mas o último a assar é o locatário das águas-furtadas que só tem a protegê-lo as telhas onde ternas pombas vêm pôr os ovos. (...) Se te conseguires afastar dos jogos de circo, podes comprar uma excelente domus em Sora, pelo mesmo que pagas, num ano, por um túgurio em Roma. (...) A maioria dos doentes, em Roma, morre de insónia (...), pois que sono é possível num apartamento? Quem, senão os ricos, consegue dormir em Roma?"
 Juvenal, Sátiras, séculos I – II d. C

O ensino

"Se quis ir para Roma, não foi para obter maiores honorários ou maiores honras – promessas que me faziam os amigos que me incentivavam a partir – e, mesmo se tais considerações também influenciassem o meu espírito, a razão principal e por assim dizer única foi que, de acordo com as minhas informações, lá, os jovens estudavam muito mais calmamente e eram contidos por uma disciplina mais severa: ela impede-os de irromper, desordenada e descaradamente, na sala de aulas dos que não são seus professores, não sendo aí admitidos senão com autorização expressa do mestre. Em Cartago, pelo contrário, o deixa andar dos estudantes é horrível e descontrolado: levantam-se de forma intempestiva e, quais dementes, poderia dizê-lo, perturbam a ordem que cada mestre estabeleceu no interesse dos seus alunos. (...) Pensam agir impunemente enquanto a cegueira do seu comportamento lhes acarreta um prejuízo incomparavelmente maior do que aquele que inflingem".

 Santo Agostinho, Confissões, 398 d. C

Romanos e Lusitanos

"A norte do Tejo estende-se a Lusitânia, habitada pela mais poderosa das nações ibéricas e que entre todas por mais tempo deteve as armas romanas. (...) Os Lusitanos são excelentes para armar emboscadas e descobrir pistas, são ágeis e destros. O escudo de que se servem é pequeno, só com dois pés de diâmetro, a parte anterior é côncava (...). Armam-se com um punhal ou grande faca; a maioria tem couraças de linho. (...) Os Lusitanos sacrificam frequentemente aos deuses, examinam as entranhas sem as arrancar do corpo das vítimas, observam também as veias do peito e tiram certas indicações do simples contacto. Consultam até em certos casos as entranhas humanas, servindo-se para isto dos prisioneiros de guerra, que revestem previamente duma veste para o sacrifício (...). Todos estes montanheses são sóbrios, bebem geralmente só água, deitam-se no chão (...). Nas três quartas partes do ano, o único alimento na montanha são as glandes de carvalho, que, secas, quebradas e pisadas, servem para fazer pão, que pode guardar-se por muito tempo. (...)"

 Estrabão, Geografia, 63 a. C. – 24 d. C.

A actuação de um governador de província

“A fim de que estes homens incultos, e por isso inclinados a guerrear, se acostumassem a uma vida agradável e pacífica (…), exortou-os (…) e ajudou-os a empreenderem a construção de templos, fóruns, habitações. Deste modo, uma rivalidade de prestígio substituía a violência. Entretanto, iniciava os filhos dos notáveis no estudo das letras, (...) de tal maneira que os mais inclinados outrora a rejeitar a língua de Roma ardiam agora de zelo em falá-la com eloquência. Depois, mesmo os nossos trajos tinham honra em usar e a toga multiplicou-se; progressivamente, acabaram por apreciar até aos nossos vícios, as delícias dos banhos e o refinamento dos banquetes; e estes noviços levaram a sua inexperiência ao ponto de chamar civilização ao que não era mais do que um aspecto da sua rejeição.”

 Tácito, Vida de Agrícola, séculos I-II d. C.

A educação na Lusitânia

“Mas o que melhor os conquistou [aos Lusitanos] foi o que fez em relação aos seus filhos. Porque, reunido em Osca, uma grande cidade, os jovens das melhores famílias de todos os povos submetidos, deu-lhes mestres de grego e de latim. Eram na realidade reféns; mas na aparência instruía-os a fim de os fazer participar, quando homens, na administração e governo do país, Os país tinham um prazer extraordinário em ver os seus filhos, vestidos com a toga, frequentar regularmente a escola.”

 Plutarco, Vidas Paralelas

A pax romana

"O mundo inteiro parece estar em festa. Deixou já a sua armadura de ferro para se entregar com toda a liberdade à beleza e à alegria de viver. Todas as cidades renunciaram às antigas rivalidades; melhor dizendo, anima-as agora um mesmo espírito de emulação:tornar-se mais bela, a mais encantadora. Em todo o lado se podem ver ginásios, fontes, edifícios públicos, templos, oficinas e escolas."

 Públio Élio Aristides, Elogio de Roma, 129-189 d. C.

As invasões dos povos bárbaros

"Na era de 408 da Era Cristã, os Vândalos, os Alanos e os Suevos ocuparam a Hispânia, mataram e destruíram muitos nas suas sangrentas incursões, incendiaram cidades e saquearam as propriedades assaltadas, de forma que a carne humana era devorada pelo povo na violência da fome. As mães comiam os filhos; e também os animais, que se haviam acostumado aos cadáveres dos que morriam pela espada, de fome ou de peste, eram mesmo levados a destroçar os vivos; desta maneira quatro pragas dizimaram toda a Espanha, sendo cumprida a predição divina que há muito tinha sido escrita pelos profetas. Na era de 411, depois da terrível devastação das pragas pela qual a Hispânia foi destruída, os Bárbaros, decididos finalmente pela graça de Deus a fazer a paz, sortearam as províncias para as ocupar. Os Vândalos e os Suevos ocuparam a Galécia; os Alanos, a província da Lusitânia e a Cartaginense; porém os Vândalos (…), abandonada a Galécia e depois de terem devastado as ilhas da província Tarraconense, voltando a trás tiraram à sorte a Bética. (…)"

  Sancti Isidori, Hispalensis Episcopi, Historia de Regibus Gothorum, Wandalorum et Suevorum, in Fernanda Espinosa, Antologia de Textos Históricos Medievais

As sociedades bárbara e romana

"A solícita preocupação de um príncipe está cumprida quando foram providenciados os benefícios para futura utilidade dos povos. Nem a ingénita liberdade [do príncipe] deve deixar de exultar quando, quebradas as forças sem razão o casamento de pessoas que são iguais por dignidade e linhagem. E por isto, removida a sentença da antiga lei […] sancionamos esta lei que há-de valer para sempre: que o Godo possa, se quiser, ter uma mulher romana e que a Goda possa casar com um romano […] e que o homem livre possa casar com qualquer mulher livre […] obtido o solene consenso dos parentes e a licença do conde."

 Corpus Iuris Germanici Antiqui, in Fernanda Espinosa, Antologia de Textos Históricos Medievais

As leis bárbaras e romanas

"(...) 46 – Se alguém fizer a outrem uma chaga na cabeça que apenas lhe rasgue a pele que os cabelos cobrem, dê-lhe de composição seis soldos (...); 47 – Se alguém chagar outrem na cabeça, de maneira que os ossos sejam quebrados, por um osso dê-lhe uma composição de doze soldos; (...) e isto de maneira que seja contado como um osso aquele que, lançado na rua, a doze pés [de distância] contra um escudo, possa fazer ruído; esta distância deve ser medida com um pé de homem médio e não com a mão. 50 – Sobre o lábio cortado – Se alguém cortar lábio a outrem, dê-lhe de composição dezasseis soldos, e se apareceram um, dois ou três dentes, dê-lhe de composição vinte soldos. 51 – Sobre os dentes dianteiros – Se alguém arrancar a outrem um dente que a apareça no riso, dê-lhe dezasseis soldos; se forem dois ou mais dentes, aparecendo no riso, façam por esse número uma composição e um preço. 62 – Sobre o corte de uma mão – Se alguém cortar uma mão a outrem, dê-lhe de composição metade do preço que teria sido avaliado se o matasse; e se a paralisar mas não a separar do corpo, dê-lhe de composição a quarta parte deste preço. 74 – Em todas estas chagas e feridas acima transcritas que podem acontecer entre homens livres, estabelecemos uma composição maior do que a dos nossos antepassados, para que a vingança que é inimizade seja relegada depois de aceite a citada composição e não seja esta mais exigida nem permaneça o desgosto, mas dê-se a causa por terminada e mantenha-se a amizade. (…)"

 Monumenta Germaniae Histórica – Legum, in Fernanda Espinosa, Antologia de Textos Históricos Medievais

As contribuições científicas muçulmanas

"Para aqueles que dizem: Como poderemos nós admitir a possibilidade da infecção, quando a lei religiosa a nega, replicamos que a existência do contágio é estabelecida pela experiência, a investigação, a evidência dos sentidos e os relatos dignos de fé. Estes factos constituem um argumento válido. O fenómeno do contágio torna-se claro para o investigador que verifica como aquele que entra em contacto com os enfermos apanha a doença, enquanto o que mão está em contacto permanece são, e como a transmissão se efectua através do vestuário, vasilhame e atavios."

 Ibn Al-Khatib, in Fernanda Espinosa, Antologia de Textos Históricos Medievais

Módulo 2 - O dinamismo civilizacional da Europa Ocidental nos século XIII e XIV

Módulo 2 - O dinamismo civilizacional da Europa Ocidental nos século XIII e XIV
 Conteúdos
 1. A identidade civilizacional da Europa Ocidental
1.1. Poderes e crenças - multiplicidade e unidade
1.2. O quadro económico e demográfico - expansão e limites do crescimento
2. O espaço português - a consolidação de um reino cristão ibérico
3. Valores, vivências e quotidiano

Aprendizagens relevantes -
Reconhecer na sociedade europeia medieval factores de coesão que se sobrepuseram às diversidades político-regionais, distiguindo a importância da igreja nesse processo.
- Reconhecer, no surto demográfico do século XIII, na expansão demográfica que o acompanhou e no desenvolvimento urbano, o desencadear de mecanismos favorecedores de intercâmbios de ordem local, regional e civilizacional.

A posição social de um cavaleiro no século XIII

“Não é bastante para a grande honra que pertence ao cavaleiro a sua escolha, o cavalo, as armas e o senhorio, mas é mister que tenha escudeiro e troteiro que o sirvam e cuidem dos seus cavalos; e que as gentes lavrem, cavem e arranquem a maleza da terra, para que dê frutos de que vivam o cavaleiro e os seus brutos; e que ele ande a cavalo, trate-se como senhor e viva comodamente daquelas coisas em que os seus homens passam trabalhos e incomodidades. (…) Correr em cavalo bem guarnecido, jogar a lança nas linças, andar com armas, [entrar em] torneios, fazer tablas redondas, esgrimir, caçar cervos, ursos, javalis e leões e outros exercícios semelhantes, pertence ao ofício de cavaleiro, pois com tudo isto se acostuma a feitos de armas e a manter a Ordem de Cavalaria. Portanto, desprezar o costume e uso por meio dos quais o cavaleiro se dispõe para o uso do seu ofício é menosprezar a Ordem de Cavalaria.”

 Ramon Llull, “Libro de la Orden de Caballeria”, in Fernanda Espinosa, Antologia de Textos Históricos Medievais

As obrigações das classes não privilegiadas

“Walafredus, um colonus e mordomo, e a sua mulher, uma colona (…) homens de St. Germain, têm dois filhos. (…) Ele detém dois mansos livres (…) de terra arável, seis acres de vinha e quatro de prados. Deve por cada manso uma vaca num ano, um porco no seguinte, quatro denarios pelo direito de utilizar a madeira, dois modios de vinho pelo direito de usar as pastagens, uma ovelha e um cordeiro. Ele lavra quatro varas para um cereal de Inverno e duas varas para um cereal de Primavera. Deve corveias, carretos, trabalho manual, cortes de árvores quando para isso receber ordens, três galinhas e quinze ovos. (…)”

 B. Guénard, “Polyptyque de l’abbé Irminon”, in Fernanda Espinosa, Antologia de Textos Históricos Medievais

A Igreja e a delimitação do poder espiritual e temporal

"Há na realidade dois poderes, muito augusto Imperador, pelos quais este mundo é principalmente governado, a autoridade sagrada dos pontífices e o poder real. Dos dois, o sacerdócio tem o valor mais alto, na medida em que deve prestar contas dos próprios reis em matérias divinas. Fica pois a saber, meu muito clemente filho, que embora presidas com dignidade nos negócios humanos, no que respeita os divinos tens de dobrar a cerviz perante aqueles de quem esperas a salvação e de quem recebes os sacramentos celestiais. Na esfera religiosa tens de te submeter em vez de governar e ceder perante as decisões dos padres de preferência a tentar domá-los à tua vontade. Porque, se no domínio da disciplina pública os padres reconhecem a tua autoridade como vinda de cima e obedecem às tuas leis para que não pareçam resistir em matérias puramente seculares, como não lhes deverás tu obedecer de muito melhor vontade, a eles que estão encarregados da administração dos veneráveis mistérios? (…)"

 Papa Gelásio I, in Fernanda Espinosa, Antologia de Textos Históricos Medievais

A existência de um só Deus

"Tudo o que existe nos céus e na terra glorifica Allah; e Ele é o Omnipotente, Omnisciente. É seu o Reino dos céus e da terra: Ele é o que ordena a vida e o que dá a morte; e Ele tem poder sobre todas as coisas. Ele é o Primeiro e o Último, o Visível e o Invisível; e é Conhecedor de todas as coisas. Ele é O que criou os céus e a terra em seis Dias; depois subiu ao Trono. Ele conhece tudo o que entra na terra e tudo o que dela sai e tudo o que desce do céu e tudo o que ele ascende; e Ele está convosco onde quer que vós estejais. E Allah vê tudo o que vós fazeis. É seu o Reino dos céus e da terra, e a Allah todas as coisas voltam. Ele faz que a noite penetre no dia e que o dia penetre na noite e Ele conhece os pensamentos dentro dos corações."


 Corão, XIX, Sura 57, in Fernanda Espinosa, Antologia de Textos Históricos Medievais

A Jihad, a guerra santa

“Ó crentes! Ponde-vos em guarda! Lançai-vos contra os nossos inimigos em grupo (…). Àqueles que combatem na senda de Alá, quer estejam mortos, quer estejam vitoriosos, conceder-se-á uma enorme recompensa. (…) Os que acreditam, combatem na senda de Alá. Os que não acreditam combatem na senda de Tagut: combatei os inimigos do demónio. (…)”

 Corão, Sura 4, 73.

As Cruzadas

“ (…) Concedemos e confirmamos pela autoridade que nos foi dada por Deus a remissão dos pecados (…) para aqueles que, ajudados pelo intuito da devoção, tomarem a seu cargo e realizarem esta tão santa e necessária obra e tarefa; e que as suas mulheres e filhos, bens e possessões, permaneçam sob a protecção da Santa Igreja. (…) Aqueles que estão onerados com uma dívida a outro e quiserem com o coração puro empreender a santa jornada, não pagarão juros pelos tempos passados. Se eles, ou outros por eles, estiverem ligados por um juramento ou penhor, para pagamento de juros, absolvemo-los pela autoridade apostólica. (…)”

 Otto Episcopus Frisigensis, “Gesta Friderici Imperatoris”, I, 35, em Monumenta Germaniae Histórica – Scriptorum, t. XX, Hannover, 1968, pp. 371 e 372, in Fernanda Espinosa, Antologia de Textos Históricos Medievais, Lisboa, Livraria Sá da Costa Editora, 1981

Críticas à II Cruzada (1147)

"Deus permitiu que a Igreja Ocidental, devido aos seus pecados, fosse derrubada. Surgiram então, na verdade, certos pseudoprofetas (…), que seduziram os cristãos com palavras vãs, compelindo toda a casta de homens, por uma vã pregação, a ir contra os Sarracenos, a fim de libertar Jerusalém. A pregação destes homens foi tão grandemente influenciadora que os habitantes de quase todas as regiões, se ofereceram espontaneamente para a comum destruição. E não apenas homens da plebe, mas também reis, duques, marqueses e outros poderosos deste mundo, acreditando que prestavam assim serviço a Deus. Os bispos, arcebispos, abades e outros ministros e prelados da Igreja uniram-se neste momento erro, precipitando-se nele com grande perigo de corpos e almas. (…) Porém, as intenções destas pessoas eram diferentes. Algumas, na realidade, ávidas de novidades, iam para saber coisas novas sobre as terras. Outras eram levadas pela pobreza, por estarem em situação difícil na sua casa; estes homens foram para combater, não apenas os inimigos da Cruz de Cristo, mas mesmo os amigos do nome cristão, onde quer que vissem a oportunidade de aliviar a sua pobreza. Houve os que estavam os que estavam oprimidos por dívidas para com outros, ou que desejavam fugir ao serviço devido aos seus senhores, ou que estavam mesmo esperando o castigo merecido pelas suas infâmias. Só com dificuldade se poderão encontrar uns poucos que não tenham dobrado os joelhos a Baal, que tenham sido orientados por um saudável e santo propósito e inflamados pelo amor divino a combater ardentemente e mesmo a derramar o seu sangue pelo Santíssimo. (…)"

 “Annales Herbipolensis – Monumenta Germaniae Histórica – Scriptores”, t. XVI, Hannover, 1859, p. 3, in Fernanda Espinosa, Antologia de Textos Históricos Medievais, Lisboa, Livraria Sá da Costa Editora, 1981

O Homem no centro do mundo

"Disse Deus ao Homem: coloquei-te no centro do mundo, para que possas olhar à tua volta, e ver o que o mundo contém. Não te fiz celestial nem terreno, mortal nem imortal, poderás tu próprio escolher o teu caminho. Pela tua vontade poderás tornar-te um bruto irracional ou podes alcançar uma elevada perfeição, quase divina."

 Picco della Mirandola, A Dignidade do Homem, 1486

O Homem completo "Ideal"

"Verdadeiramente admirável e celeste foi Leonardo da Vinci (...). Assim dedicou-se alguns meses à aritmética (...) cultivou um pouco a música (...) cantava divinamente (...) apesar de tantas curiosidades variadas não deixou de desenhar e esculpir, porque era o que melhor convinha à sua imaginação (...). Inventava, sem cessar, projectos e modelos (...) o seu cérebro nunca parava de destilar invenções (...) a sua conversa era tão agradável que atraia a simpatia. Conta-se que, passando no mercado de pássaros, libertava-os da gaiola, pagava o preço pedido e deixava-os voar para lhes restituir a liberdade perdida." 

Giorgio Vasari, Vidas in Mémoire de l'Europe

O cortesão ideal

"Que o cortesão ideal seja, além de nobre, homem de bem, isto é, prudente, bom, corajoso, confiante; belo e elegante. Que a sua principal e autêntica profissão seja a das armas, que saiba todos os exercícios que convêm a um militar. Que o perfeito homem de corte seja alegre, saiba jogar e dançar, que se mostre homem de espírito e seja discreto. As letras de Deus revelou aos homens são úteis e necessárias à vida e à dignidade do Homem. Que o cortesão conheça não só o latim, mas também o grego. (…) Que ele saiba escrever em prosa, particularmente a nossa língua. Louvá-lo-ei também por saber várias línguas estrangeiras, principalmente o espanhol e francês (…). A sua cultura parecer-me-á insuficiente se não tiver conhecimentos de música (…). Há ainda um aspecto que julgo de grande importância; trata-se da arte do desenho e da pintura. (…) Que o nosso homem de corte seja um perfeito cavaleiro de toda a sela: nos torneios, nos duelos, nas corridas, no lançamento do dardo e da lança. (…) Convém também que saiba saltar e correr." 

B. Castiglione, O Cortesão

Crítica de um humanista à nobreza tradicional

“Ao nobre parece não existir nobreza semelhante à sua, pelo que julga que todos os outros lhe ficam muito atrás. Procura, em todas as coisas, fazer como fazem os reis e os príncipes e ordena que o sirvam de joelhos (…). Não sabe ler nem escrever e se soubesse não quereria saber, porque é tido por mais nobre aquele que menos sabe. Só estuda questões de gravidade e como deve fazer para se mostrar grande e abaixar os demais, porque [para ele] é em coisas como estas e não na virtude que consiste a nobreza.” 

Anónimo italiano do século XVI, “Verso e Anverso do Reyno de Portugal”, tradução de A. H. de Oliveira Marques, in Revista Nova História, Século XVI, n.º

A educação renascentista

“Vitorino, originário de Feltre, na Lombardia, era um homem de categoria, e de vida sóbria, instruído no grego, no latim e nas sete artes liberais. (…) Era reputado em toda a Itália pelas suas virtudes e os seus conhecimentos e por isso numerosos aristocratas venezianos lhe enviaram os filhos para que os educasse e lhes ensinasse as belas letras (…). Ele permitia-lhes praticar exercícios físicos, e os filhos dos nobres eram encorajados a (…) fazer todos os exercícios bons para o desenvolvimento do corpo, dando-lhes estes recreios depois de terem aprendido e recitado as suas lições. Fazia leituras nas disciplinas apropriadas a cada classe e ensinava as artes liberais e o grego (…). Estabelecia um horário apertado, e não consentia que nenhuma hora fosse perdida. Raros eram os alunos que abandonavam a casa, e regressavam sempre à hora marcada; à noite todos eram obrigados a recolher cedo. Assim os criava nos hábitos de ordem e de aplicação (…)."

 Vespasiano da Bistici, “Vida dos homens ilustres”, in Gustavo de Freitas, 900 Textos e Documentos de História, vol. II, Lisboa, Plátano Editora

A educação humanista

"Aconselho-te, meu filho, a que aproveites a juventude para estudares e te tornares virtuoso. Estás em Paris, tens o teu preceptor (…) que por ensinamentos vivos e louváveis exemplos te pode educar. Quero que aprendas perfeitamente línguas (…). Quero que não haja história que não tenhas presente na memória para o conhecimento universal dos que a escreveram. Quando eras pequeno, tinhas cinco ou seis anos, fiz-te apreciar as artes liberais: a geometria e a música. Deves prosseguir. Deves aprender todos cânones da astronomia. Quero que saibas de cor todos os belos textos de direito civil e que os confiras com os de filosofia. Depois, cuidadosamente, volta a estudar os livros dos médicos gregos, árabes e latinos e, por frequentes operações de anatomia, quero que adquiras o perfeito conhecimento do outro mundo que é o Homem. Durante algumas horas do dia começa a trabalhar sobre as Sagradas Escrituras, primeiro em grego o Novo Testamento e a Cartas dos Apóstolos, depois em hebreu o Antigo Testamento.”

 Rabelais, Carta de Gargântua a seu filho Pantagruel

A experiência

"Os mestres estão empoleirados na sua cátedra como galinhas e, com um notável ar de desprezo, dão informações sobre as coisas que jamais tocaram com as suas próprias mãos, mas que se lembram de ter lido nos livros dos outros (...). Por consequência, todo o ensino é falso: perde-se o tempo com questões absurdas e é tudo tão confuso que o aluno aprende ali menos do que se seguisse o curso de carniceiro (...)."

André Vesálio, Acerca da estrutura do corpo humano, 154

A invenção da imprensa

"Enviaste-me, há alguma tempo, as deliciosas epístolas de Gasparino de Bérgamo, que não somente corregistes com cuidado, mas que haveis feito reproduzir com notável perfeição pelos vossos impressores alemães (...). As letras têm sido feridas (...) pelas incorrecções cometidas pelos copistas. Assim, é com a maior satisfação que deve ver-se afastar esse flagelo da cidade parisiense graças aos impressores que fizestes vir da Alemanha para esta cidade e que reproduzem correctamente, dos manuscritos os livros (...)." 

Jules Philippe, Origens da Imprensa em Paris

A crítica social em Erasmo de Roterdão

“Próximo da felicidade teólogos está a daqueles a que o vulgo chama religiosos e monges (…). Atribuem tanta importância às suas particulares cerimónias e às suas tradições humanas que lhes parece que o céu não é bastante prémio para tantos méritos. Esquecem todos que Cristo lhes perguntará somente se obedeceram à sua lei, a lei da caridade. (…) Já há algum tempo que desejava falar-vos dos reis e dos príncipes (…). Eles entregam aos deuses todos os negócios, levam uma vida de moleza e não querem ouvir senão os que lhes dizem coisas jucundas ou lhes afastam os cuidados. Julgam executar inteiramente as funções régias se vão assiduamente à caça, se tratam dos cavalos, se vendem comodamente prefeituras, se diariamente inventam novas maneiras de diminuir a riqueza dos cidadãos e de aumentar a da coroa com o fisco. (…) Que direi dos cortesãos? Nada há mais rasteiro, mais servil, do que esses homens que se querem considerar os primeiros entre todos. (…) Rivais dos príncipes, os sumos pontífices, os cardeais e os bispos quase os superam. (…) Os nossos pastores não fazem mais do que buscar pasto. (…) Se julgares o meu discurso demasiado petulante, pensai que falei em nome da loucura.”

 Erasmo de Roterdão, Elogio da Loucura, Lisboa, Cosmos Clássicos

A democracia ateniense

" O nosso sistema político não inveja as leis dos nossos vizinhos, pois temos mais de paradigmas para os outros do que de seus imitadores. O seu nome é democracia, pelo facto da direcção do Estado não se limitar a poucos, mas se estender à maioria; em relação às questões particulares, há igualdade perante a lei; quanto à consideração social, à medida em que cada um é conceituado, não se lhe dá preferência nas honras públicas pela sua classe, mas pelo seu mérito; nem tão pouco o afastam pela sua pobreza, ou pela obscuridade da sua categoria, se for capaz de fazer algum bem à cidade."

  Discurso de Péricles, citado por Tucídes em A Guerra do Peloponeso (século V a.C.), in Claude Mossé, As Instituições Gregas, Lisboa, Edições 70, 1985

A democracia ateniense

"Os discursos belos e artísticos não são apanágio das pessoas inferiores, mas obra de uma alma que pensa bem; os sábios e os que parecem ignorantes diferem uns dos outros principalmente nisso (...). Os que foram criados desde início como homens livres não se conhecem pela coragem, riqueza ou qualidades dessa espécie, mas distinguem-se sobretudo pela maneira de falar. É este o sinal mais seguro da educação de cada um de nós, e aqueles que sabem usar bem da palavra, não só são poderosos no seu país, como honrados nos outros."
   Isócrates, Panegírico, século V-IV a. C.

A romanização da Península Ibérica

" O processo de aculturação desenvolvido na sequência da chegada das primeiras legiões romanas à Península Ibérica parece ter tido nos próprios soldados os principais agentes. (…) A instalação na Península de antigos soldados que aqui tinham combatido, terão constituído, um primeiro e importante passo em todo o processo. (…) Por um lado, é evidente que a fixação na Península de antigos soldados constituiu um importante contributo para a generalização de um novo modo de vida. No entanto, a participação de auxiliares hispânicos no exército romano terá contribuído de igual modo para a habitação dos naturais a esta nova existência, a que não deixaram certamente de ser indiferentes. (…)"

  Carlos Fabião, A romanização do actual território português, in História de Portugal, vol. I, dir. José Mattoso, Círculo de Leitores, 1992

Carta de Gargântua a seu filho Pantagruel.

"Aconselho-te, meu filho, a que aproveites a juventude para estudares e te tornares virtuoso. Estás em Paris, tens o teu preceptor (…) que por ensinamentos vivos e louváveis exemplos te pode educar. Quero que aprendas perfeitamente línguas (…). Quero que não haja história que não tenhas presente na memória para o conhecimento universal dos que a escreveram. Quando eras pequeno, tinhas cinco ou seis anos, fiz-te apreciar as artes liberais: a geometria e a música. Deves prosseguir. Deves aprender todos cânones da astronomia. Quero que saibas de cor todos os belos textos de direito civil e que os confiras com os de filosofia. Quanto aos conhecimentos dos factos da Natureza, quero que te dediques com curiosidade e que não haja mar nem rio, nem fonte de que não conheças todos os peixes, todas as aves, todas as árvores e arbustos, todas as ervas da terra; todos os metais escondidos no profundo dos abismos, as pedras do Oriente a Ocidente (…). Depois, cuidadosamente, volta a estudar os livros dos médicos gregos, árabes e latinos e, por frequentes operações de anatomia, quero que adquiras o perfeito conhecimento do outro mundo que é o Homem. Durante algumas horas do dia começa a trabalhar sobre as Sagradas Escrituras, primeiro em grego o Novo Testamento e a Cartas dos Apóstolos, depois em hebreu o Antigo Testamento."

Rabelais, Carta de Gargântua a seu filho Pantagruel.

domingo, 12 de maio de 2013

MANUAIS ESCOLARES

ENSINOS BÁSICO E SECUNDÁRIO –
 ADOÇÃO DE MANUAIS ESCOLARES PARA O ANO LETIVO DE 2013/2014
 MANUAIS ESCOLARES
 Ano Letivo de 2013/2014
 Os prazos relativos aos períodos de apreciação, seleção e adoção de manuais escolares, para o ano letivo de 2013/2014, obedecem à seguinte calendarização:
 I. - Prazos de Adoção
 1.º Ciclo do Ensino Básico – 29 de abril a 24 de maio de 2013;
 2.º e 3.º Ciclos do Ensino Básico e Ensino Secundário – 13 de maio a 7 de junho de 2013
 II.- Novas Adoções
 4.º ano – Apenas nas áreas disciplinares de Estudo do Meio e Português
 5.º ano – Apenas nas disciplinas de Educação Tecnológica e Educação Visual
 6.º ano – Apenas nas disciplinas de Educação Física, Educação Musical, Educação Tecnológica e Educação Visual
 8.º ano – Apenas na disciplina de Educação Visual
 9.º ano – Apenas nas disciplinas de Educação Visual e Português
 10.º ano - Todas as disciplinas dos cursos científico-humanísticos (excetuam-se as disciplinas de Biologia e Geologia, Educação Moral e Religiosa Católica, Física e Química A, Matemática A, Matemática B, Matemática Aplicada às Ciências Sociais e Português)
 Fonte: DGE/DSDC/11/03/2013
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