“Sobre a religião homérica continua a pairar a dúvida, se é original dos Poemas, se existia já. […]
Numa primeira linha de investigação e, através de uma análise do texto Ilíada, demonstrou-se que os próprios deuses são moldados pelas exigências da história e como certos mitos foram criados para motivar o seu desenvolvimento.
A segunda destas tendências tem mostrado que “algumas divindades têm características que fazem supor que resultam de uma adaptação de figuras de religiões asiáticas (como Afrodite, Hefestos, Ártemis), ao passo que outras são predominantemente helénicas, como Hera, Atena, Poséidon, Hermes, Deméter e, sobretudo, Zeus”.
“Na religião homérica, as suas divindades eram luminosas e antropomórficas, o que, pondo de parte a religião hebraica, que é um caso único e sem paralelo, representa uma superioridade sobre as demais da Antiguidade.
Em vez de potências ocultas e terríveis, temos formas claras, que se comportam e reagem como seres humanos superlativados. […] São mais altos, mais fortes, mais belos (com excepção de Hefestos). […] Não conhecem a velhice nem a morte e a sua vida é fácil.
Misturam-se com os homens na Ilíada, e algumas vezes aparecem-lhes disfarçados, mas são reconhecidos. Combatem junto dos heróis que protegem e advertem-nos dos perigos […]. Os deuses têm também defeitos dos homens. […] Se por um lado, há um princípio de hierarquia, pois Zeus está acima de todos, por outro ele mantém a sua posição com uma dificuldade que encontra paralelo na de Agamémnon perante os outros chefes aqueus.[…]
Na Odisseia já há mais do que isso: os deuses já não enganam os homens e esforçam-se por lhes impor regras de procedimento moral. […]”
Estamos perante uma “crença religiosa bem definida, em que a acção divina é supérflua para explicar o sucedido, o que prova que ela não foi inventada para tirar o poeta de dificuldades. […]
Finalmente, deve acentuar-se que o modo de intervenção das divindades diverge de um para outro poema. Na Ilíada são móbil de acção […]. Na Odisseia, estão mais distanciados, apresentam-se em sonhos ou disfarçados e são tutelares ou então entidades perseguidoras […]. Os concílios dos deuses já não são tumultuosos e desordeiros, como nos poemas mais antigos, mas calmos e hieráticos. Este progresso no sentido da idealização vai reflectir-se na concepção da morada das divindades. Em vez de ser uma montanha real, situada na Tessália […], o Olimpo passou a ser um lugar ideal onde não chove nem neva. […] Além disso, […] temos ainda uma diferença mais profunda, uma vez que é o deus supremo que garante o cumprimento da justiça.”
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Maria Helena da Rocha Pereira, Estudos da História da Cultura Clássica, Vol. I, Cultura Grega
Maria Helena da Rocha Pereira, Estudos da História da Cultura Clássica, Vol. I, Cultura Grega
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