sexta-feira, 30 de dezembro de 2011

ORDENS MONÁSTICAS: ORDEM DE CLUNY

Ordem de Cluny

A carta de fundação da abadia, assinada em setembro de 910 pelo poderoso duque da Aquitânia Guilherme I, cedia a Bernon, abade de Baume-les-Messieurs, uma terra chamada Cluny, na diocese de Mâcon, a cerca de vinte quilómetros desta cidade, bem no centro da França. Esta carta de fundação explicitava com precisão a criação de uma abadia que seguisse a Regra de S. Bento. Com Bernon, vieram alguns monges, os primeiros religiosos da nova abadia, que se enquadrava no projeto de reforma promovida por Bento de Aniane (c-750-821), o qual pretendia unir todos os mosteiros da Europa Ocidental sob a observância da Regra Beneditina. Por esta filiação, se poderá constatar o papel que Cluny desempenhará na difusão da reforma da Igreja mais tarde lançada de forma empenhada pelo papa Gregório VII (1073-1085), a denominada "reforma gregoriana". Cluny, conforme se pode depreender a partir do vocativo (S. Pedro) da abadia, estava diretamente sujeita à Santa Sé, por isso subtraída à jurisdição do bispo de Mâcon. Os abades de Cluny entre os séculos X e XII foram personagens importantes no seu tempo: Bernon (910-927), Odon (927-942), e principalmente os três mais famosos, Maïeul (948-994), Odilon (994-1049) e Hugo (1049-1109). Depois deste tio-avô de D. Afonso Henriques, primeiro rei de Portugal, a abadia conheceu tempos menos brilhantes, devido ao abaciado de Pons de Melgueil (1109-1122), figura instável. Todavia, o seu sucessor conseguiu recuperar e sublimar até o prestígio de Cluny: Pedro de Montboisier (112-1156), dito o Venerável, homem de grande cultura e figura de proa da Cristandade medieval. Era a época do apogeu de Cluny, com mais de 1180 mosteiros dependentes na Europa, dos quais mais de 800 só na França. Depois da segunda metade do século XII, a abadia e a ordem cluniacenses entram em declínio, causado principalmente pelo aparecimento de outras ordens monásticas, como os Cistercienses (em fulgurante expansão), ou mendicantes (franciscanos, dominicanos), para além de cónegos regulares (como os de Santa Cruz, em Portugal). Isenta face ao poder secular dos senhores laicos e à jurisdição dos bispos, a abadia de Cluny conseguirá escapar ao controlo do poder régio até ao século XVI, ao contrário de muitas outras congéneres. Naquela centúria, no entanto, os seus abades passaram a ser nomeados pelo rei de França, ao abrigo da Concordata de Bolonha de 1512. Com o Concílio de Trento, Cluny organiza-se em torno de uma congregação. Um dos priores mais famosos de Cluny, o cardeal de Richelieu (entre 1629 e 1642) tentou unir a congregação à dos Mauristas (de St. Maur), conhecidos pela sua erudição e labor científico profundos. Esta união não sobreviveu à morte de Richelieu (1644). Também um intento de união com outra congregação beneditina francesa, a de St. Vanne, levado a efeito por Mazarin, também cardeal e ministro de França como Richelieu, gorou-se em 1654. As Luzes e o século XVIII revelaram-se ainda mais nefastos para Cluny, acelerando a sua decadência. Assim, em 1744, o bispo de Mâcon acabou por impor a sua jurisdição sobre esta velha abadia. Reconstruiu-se então o edifício monástico ao gosto da época, embora a ocupação monástica fosse cada vez mais reduzida: em 1790, a comunidade não tinha mais de 35 monges. Nesse mesmo ano, na sequência da Revolução Francesa iniciada em 1789, a abadia foi suprimida por decreto revolucionário, ficando à mercê da pilhagem, que ocorreu em 1793. Depois foi posta à adjudicação em 1798, tendo sido comprada em hasta pública por um privado, que logo desmantelou a abadia. Como ordem religiosa, esta grande abadia era a cabeça de um dos ramos mais importantes do monaquismo beneditino: a ordem de Cluny. O abade do mosteiro era o superior da família cluniacense, com todos os abades e priores das centenas de casas da ordem a prestarem-lhe homenagem feudal de vassalagem, numa sujeição variável. Era também este abade de Cluny quem nomeava os superiores dessas comunidades dependentes. Nesta perspetiva, pode falar-se de um "monaquismo cluniacense", ainda que a autonomia que a Regra Beneditina conferia aos mosteiros atenuasse essa sujeição, ao contrário da forte centralidade cisterciense.
Refeição dos monges em Cluny 
Existiam as casas ditas "dependentes", com superior nomeado e controlado pelo abade de Cluny, e as "subordinadas", com o abade a ser eleito pela comunidade. Deste último grupo faziam parte as cinco "filhas" de Cluny: Souvigny, Sauxillange, La-Charité-sur-Loire, St. Martin-des-Champs (Paris) e Lewes (Inglaterra). Todavia existia uma uniformidade de observância e de costumes monásticos entre todas as casas cluniacenses. A originalidade de Cluny traduzia-se essencialmente na liturgia, nutrida e apoiada pela frequência e grande duração dos ofícios. Era de uma riqueza excecional, ímpar até aos dias de hoje, ilustrando a vitalidade de uma espiritualidade completamente direcionada para Deus. Tudo era pouco para honrar e dignificar a Deus, diziam os cluniacenses, como forma de justificar a pompa, magnificência artística e estética e grande elaboração da sua liturgia e da arte dos seus belos mosteiros. De facto, a arte cluniacense inscrevia-se nesta perspetiva grandiosa, de grande qualidade e apuro estéticos, com uma riqueza de simbolismo patentes nas artes plásticas e na arquitetura. Os monges de Cluny, na sua expansão pela Europa, desempenharam um importante papel na vida e política da Igreja, mesmo na organização política, económica e territorial de vastas regiões, assumindo-se quase como um senhor temporal e fundiário igual a tantos outros. Mas a sua importância, superlativada pelos seus abades notáveis em torno do Ano Mil, foi maior em termos espirituais e na "alta" política europeia, como sucedeu quando o imperador germânico Henrique IV apelou a Cluny para mediar a Querela das Investiduras. Também as peregrinações medievais muito devem a Cluny e à sua rede de mosteiros, principalmente ao longo dos chamados "caminhos franceses" em direção a Santiago e mesmo dentro das Espanhas, no "caminho francês". A tradição da hospedagem e apoio aos peregrinos eram apanágio da Regras Beneditinas e uma forma de enfatizar a importância social dos mosteiros que Cluny muito bem soube aproveitar. Em Portugal, Cluny teve uma importância política menor em relação a outras ordens, como Cister ou os Mendicantes, por exemplo. Em Portugal, depois do concílio de Coiança (1050-55, cânon 2) ter introduzido a Regra Beneditina em Portugal, vários foram os mosteiros que a seguiram. No entanto, apenas três estavam "subordinados" a Cluny. Esses três mosteiros ditos cluniacenses foram S. Pedro de Rates, Santa Maria de Vimeiro e Santa Justa de Coimbra.

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