quarta-feira, 18 de abril de 2012

História da escravidão: Exploração do trabalho escravo na África

História da escravidão: Exploração do trabalho escravo na África

Érica Turci
Desde milênios, em todos os cantos do mundo, a escravidão foi uma prática comum e aceita por diversos povos. Somente a partir do século XIX é que o comércio de pessoas passou a ser criticado, e em muitas regiões foi abolido (pelo menos legalmente). Hoje em dia, apesar da existência de milhões de indivíduos ainda trabalhando como escravos, tal situação é considerada um crime pela comunidade internacional.
Mas o que é ser um escravo? Segundo o Dicionário Eletrônico Houaiss, em sua primeira acepção, escravo é "quem ou aquele que, privado da liberdade, está submetido à vontade absoluta de um senhor, a quem pertence como propriedade".
Um indivíduo pode se transformar em escravo de diversas maneiras:
  • por ser um prisioneiro de guerra;
  • por contrair uma dívida, que seria paga com seu trabalho (por um tempo determinado ou pela vida toda);
  • por ter cometido um crime e sendo, portanto, punido com a escravidão;
  • por se oferecer como escravo em troca de alimento ou bens para a salvação de sua família ou comunidade em grande dificuldade;
  • por pertencer a povos inimigos ou ser considerado culturalmente inferior.
Dessa forma, o escravo, sendo uma propriedade, pode ser vendido, emprestado, alugado e até morto, segundo as necessidades do seu senhor.
A escravidão foi praticada por diversos povos durante toda a história, de modos diferentes e específicos. Em algumas civilizações, como no Egito Antigo, por exemplo, o escravo não era a base da produção, sendo o camponês livre obrigado a prestar serviços ao Estado na forma de corveia (trabalho temporário sem remuneração). Aos escravos cabia o trabalho doméstico e militar.
Ao contrário, na Roma Antiga, toda produção das grandes fazendas, todo serviço nas obras públicas (incluindo as diversões nas arenas de gladiadores) recaía sobre a massa de escravos e por isso chamamos a civilização romana de civilização escravista.
Em vários haréns, no Oriente, as concubinas do grande sultão, xeque ou xá, eram escravas e muitas delas eram negociadas ou capturadas na região do Cáucaso (entre a Rússia e o Oriente Médio).Portanto, nem sempre a escravidão foi baseada numa diferença étnica: às vezes um parente distante precisava de ajuda e se submetia a uma escravidão temporária. Ou seja, quando queremos refletir sobre a escravidão, precisamos compreender como ela se desenvolveu para aquele povo específico que estamos estudando.
A escravidão entre os povos africanos
A escravidão existiu na Ásia, na Europa, nas Américas e na África. Muitos dos povos africanos utilizavam escravos para os mais diversos fins, e como cada povo africano tem sua própria organização política, econômica e social, a escravidão na África se desenvolveu de muitas formas.
De uma maneira geral, partindo da história de grande parte desses povos, podemos dizer que existia na África uma escravidão doméstica, e não uma escravidão mercantil, ou seja, entre vários povos africanos, o escravo não era uma mercadoria, mas sim um braço a mais na colheita, na pecuária, na mineração e na caça; um guerreiro a mais nas campanhas militares.
Esses povos africanos preferiam as mulheres como escravas, já que eram elas as responsáveis pela agricultura e poderiam gerar novos membros para a comunidade. E muitas das crianças nascidas de mães escravas eram consideradas livres pela comunidade. A grande maioria dos povos africanos eram matrilineares, ou seja, se organizavam a partir da ascendência materna, partindo da mãe a transmissão de nome e privilégios. Dessa forma, uma mãe escrava poderia se tornar líder política em sua sociedade, por ter gerado o herdeiro à chefia local.
Além disso, um escravo que fosse fiel ao seu senhor poderia ocupar um cargo de prestigio local, inclusive possuindo escravos seus. Assim, nem sempre ser escravo era uma condição de humilhação e desrespeito. Mesmo representando uma submissão, tratava-se de uma situação que muitas vezes era a mesma que a de outras pessoas livres.
Os árabes e o tráfico de escravos africanos
Ao lado da escravidão doméstica também existia o comércio de escravos. Algumas sociedades africanas viviam da guerra para a captura de pessoas para serem vendidas a outros povos que necessitavam de escravos. Como na África existiam várias etnias, vários grupos políticos diferentes (os africanos não eram um único povo), as guerras entre eles eram muito frequentes, e uma consequência disso era escravização dos vencidos, que podiam ser vendidos, segundo a necessidade do vencedor.
O comércio de pessoas se intensificou no século VII, quando os árabes conquistaram o Magreb e o leste africano. Os árabes eram grandes mercadores de escravos, e conseguiam suas mercadorias humanas em diversas regiões: Espanha, Rússia, Oriente Médio, Índia e África. Os escravos comprados nessas regiões eram vendidos principalmente na península Arábica, mas também podiam ser vendidos em regiões mais distantes, como na China.
Com o aumento da demanda por escravos nos portos africanos controlados pelos árabes, aumentou também o número de povos africanos que passaram a viver (e sobreviver) da captura de inimigos ou de grupos mais fracos, para vendê-los. Acredita-se que entre os séculos VII e XIX, em torno de 5 milhões de africanos tenham sido comprados na África pelos árabes.
Nesse processo, muitas tribos, cidades, reinos africanos se fortaleceram, pois controlavam as rotas de comércio de escravos. E quanto mais fortes e ricos se tornavam, mais tinham condições de oferecer mais mão de obra escrava para os árabes. Foi o caso do Reino de Mali, Reino de Gana, as cidades iorubas, o Reino do Congo e as cidades suaílis, e várias outras.
Os portugueses e o tráfico de escravos africanos
Apesar de o comércio de escravos já ser praticado na África, foi com a chegada dos portugueses nesse continente que o tráfico escravista se configurou na maior migração forçada de povos da história. Os pesquisadores apresentam números diferentes, que vão de 8 milhões até 100 milhões de pessoas obrigadas a deixar a sua terra natal, atravessar o oceano Atlântico para ser escravo em regiões distantes.
Quando os portugueses chegaram a Ceuta, no início do século XV, iniciaram a captura e escravização dos africanos das redondezas, com a justificativa de que eram prisioneiros de guerra e muçulmanos, considerados inimigos da fé católica europeia.
A partir de então, em pleno processo de Expansão Marítima, os portugueses avançaram em direção ao sul, na costa atlântica da África, em busca de riquezas para serem comercializadas e foram descobrindo o comércio de escravos. Num primeiro momento, o comércio de gente não interessou aos navegadores portugueses, já que a Europa não tinha necessidade de mão de obra escrava.
Quanto mais os portugueses avançavam na costa africana, mais sentiam a necessidade de se estabelecer em alguns pontos de comércio, para consolidar sua exclusividade na região. Em 1455 os portugueses construíram sua primeira feitoria na África: o forte de Arguim (na região da Senegâmbia, atualmente Mauritânia). Para manter essa feitoria, os portugueses passaram a utilizar escravos africanos e a comercializá-los.
Muitos portugueses tentavam capturar os africanos, mas em pouco tempo perceberam que era mais lucrativo entrar nas redes de comércio de escravos já existentes, e por isso começaram a buscar essa mercadoria junto aos povos do litoral. Um dos primeiros povos aliados dos portugueses no tráfico de escravos foram os jalofos, na Senegâmbia. Em troca de escravos, os jalofos conseguiam cavalos dos portugueses (um cavalo era trocado por 15 ou 20 escravos) e armas de fogo, o que aumentava o seu poder de guerra e de conquista de mais escravos.
Com o início da colonização das ilhas de Cabo Verde, São Tomé e Príncipe (na segunda metade do século XV), a necessidade de mão de obra aumentou, e a compra de escravos foi a solução encontrada pela Coroa portuguesa. Por essa mesma época, os portugueses chegaram à Costa da Guiné (atualmente desde a Guiné até a Nigéria), onde encontraram povos ricos que já negociavam com os árabes e puderam comercializar ouro, especiarias e escravos. Tamanha era a riqueza da região que os portugueses passaram a chamá-la de Costa do Ouro, Costa da Mina e Costa dos Escravos.
Em 1482, o navegador português Diogo Cão chegou até ao Reino do Congo e conseguiu fazer alianças com o manicongo ("senhor do Congo") Nzinga Kuvu. Nessas alianças existiam interesses mútuos: os portugueses queriam ter maior acesso às redes de comércio da África, e o manicongo pretendia obter as técnicas de guerra e de navegação dos portugueses. Inclusive o manicongo se converteu à religião católica, passando a se chamar dom João.
Por quatro séculos, a maior fonte de escravos do tráfico atlântico português se deu a partir do Reino do Congo e do reino vizinho, Andongo, chamado pelos portugueses de Angola. Isso ocorreu principalmente quando os portugueses conseguiram o direito de negociar mão de obra para exploração espanhola da América (o direito de Asiento) e passaram a precisar de mão de obra para desenvolver sua própria colônia americana: o Brasil.
Érica Turci é historiadora e professora de história formada pela USP.

Bibliografia

  • ALENCASTRO, Luiz Felipe. O trato dos viventes: formação do Brasil no Atlântico Sul. São Paulo: Cia das Letras, 2000.
  • GIORDANI, Mário Curtis. História da África anterior aos descobrimentos. Rio de Janeiro: Vozes, 1985.
  • FLORENTINO, Manolo. A diáspora africana. Revista História Viva. Duetto. nº 66.
  • MATTOS, Regiane Augusto. História e cultura afro-brasileira. São Paulo: Contexto, 2007.
  • MUNANGA, Kabengele. Origens africanas do Brasil contemporâneo. São Paulo: Global, 2009.
  • RISÉRIO, Antonio. Escravos de escravos. Revista Nossa História. Biblioteca Nacional. nº 4.
  • SILVA, Alberto da Costa. A África explicada aos meus filhos. Rio de Janeiro: Agir, 2008.
  • SILVA, Daniel B. Domingues. Parceiros no tráfico. Revista História Viva. Duetto. nº 66.
  • SOUZA, Marina de Mello. África e Brasil africano. São Paulo: Ática, 2005.
  • VISSIÈRE, Laurente. O lucrativo tráfico de escravos brancos. Revista História Viva. Duetto. nº 80.

Tráfico de escravos: Mercadoria humana atravessa o Atlântico


Érica Turci
A expansão marítima e comercial europeia, a partir do século XV, mudou drasticamente a história da humanidade ao unir três continentes: a Europa, a África e a América (poderíamos considerar a Ásia também, mas essa é uma outra história).
Em busca de enriquecimento, os europeus (os portugueses foram pioneiros), organizaram todo um aparato político, econômico e militar que lhes garantiu o controle sobre africanos e americanos. Dessa forma surgiu o que chamamos de sistema colonial, que durou do século XVI ao século XIX.
Apesar de não podermos falar de uma colonização da África nesse período (com exceção de algumas ilhas), os portugueses fundaram diversos fortes e feitorias no litoral atlântico africano, e assim puderam negociar com os povos locais diversas mercadorias que eram levadas para a Europa, para a América e, também, para a Ásia.
Dentre todos os bens negociados com os povos africanos, o comércio de escravos foi o que mais rendeu lucros para Portugal, pois além do ótimo negócio que representava, também foi fundamental para a ocupação e exploração da América.
O tráfico escravista
Depois que alcançaram o litoral atlântico da África, ainda na primeira metade do século XV, rapidamente os portugueses conseguiram ter acesso ao comércio de seres humanos que já era praticado pelos africanos.
O trato (ou seja, a negociação) entre portugueses e africanos era feito através do escambo (troca). Os produtos oferecidos pelos portugueses interessavam aos africanos: tecidos, vinhos, cavalos, ferro (que era derretido e transformado em armas na África). Com essas mercadorias em mãos, os aliados dos portugueses conseguiam status social e, também, tinham maiores condições de enfrentar povos inimigos e, assim, podiam obter mais escravos para serem negociados com os portugueses.
Poucas foram as iniciativas dos portugueses em colonizar a África, já que saciavam seus interesses mercantis mantendo uma relação amigável com povos do litoral. As regiões que mais forneceram escravos pra o tráfico atlântico foram: o Cabo da Guiné, chamado pelos portugueses de Costa dos Escravos, e os Reinos do Congo e de Angola (nesse reino os portugueses conseguiram fundar fortes no interior, chamados de presídios).
As guerras entre os africanos para conseguir mais escravos acabaram causando a diminuição da população do litoral, e a busca por escravos passou a ser feita em regiões cada vez mais distantes.
No interior da África, os escravos capturados eram obrigados a andar por quilômetros, às vezes, por dias seguidos, vigiados de perto por homens armados. Nessas caravanas de escravos o sofrimento era muito grande: obrigados a andar em fila, atados uns aos outros pelo limbambo (correntes, ou madeiras, ou ferros que uniam os escravos pelo pescoço), com os pés sangrando, não recebiam alimentação suficiente e eram obrigados a carregar pesos. Tudo isso para aumentar o cansaço e diminuir as chances de rebelião e de fuga. Muitos desses prisioneiros morriam nessa travessia.
Podia demorar meses esse processo de comercialização que ia do momento da captura dos escravos, passando pela negociação de feira em feira no interior e a chegada nos portos de trato negreiro no oceano Atlântico, onde ficavam os navios estrangeiros.
Os portos de trato negreiro
Não só os portugueses fizeram fortunas negociando gente na África. Navios ingleses, franceses, holandeses e brasileiros atracavam nos portos africanos e esperavam pela sua carga humana.
Nesses portos os escravos eram mantidos em barracões pelos comerciantes locais (tanto africanos quanto europeus que moravam na região), e ali esperavam pela negociação. Quanto mais rápidas as transações, melhor para o prisioneiro, já que as condições de higiene e alimentação nesses barracões eram as piores possíveis.
As inúmeras caravanas de escravos chegavam de diversas regiões, trazendo prisioneiros das mais diferentes etnias, que, devido aos maus tratos, sofriam com uma infinidade de doenças: varíola, disenteria, sarna. Todos presos num mesmo barracão, sofrendo o mesmo terror: para onde seriam levados? Muitos dos prisioneiros nunca tinham visto o mar, muito menos um europeu.
Também interessava aos traficantes de escravos que a negociação fosse rápida. Os navios tinham que pagar para esperar no porto. Pagavam também pelo reabastecimento de água e alimento. Muitas vezes tinham que enviar presentes para os chefes locais, a fim de garantir proteção e exclusividade nos negócios. Além disso, a pirataria era comum no litoral da África.
Mas, às vezes, demorava mais de 5 meses para que todos os acordos fossem firmados e até mesmo para que os prisioneiros fossem embarcados, já que os comerciantes dos navios só aceitavam os escravos em seus porões quando já tivessem o número total que desejavam, pois assim evitavam ter que cuidar dos seus cativos e porque temiam as rebeliões a bordo.
A travessia no Atlântico
Os navios que negociavam e transportavam escravos eram chamados de navios negreiros ou navios tumbeiros, nome que é derivado de "tumba", devido à quantidade de escravos que morriam em seus porões. Calcula-se que 20% dos escravos africanos embarcados nos tumbeiros morriam durante a travessia pelo oceano Atlântico.
O tumbeiro poderia ser uma nau, um bergantim, uma corveta, dependendo do desenvolvimento tecnológico da época (o tráfico atlântico de escravos durou quatro séculos e durante esse tempo as técnicas de navegação mudaram muito).
Em geral essas embarcações transportavam entre 400 e 500 escravos, todos confinados num porão. Os negreiros (comerciantes de escravos) compravam escravos a mais do que sua embarcação comportava, pois sabiam que perderiam muitas das suas "mercadorias" durante a viagem, e assim superlotavam suas embarcações.
Uma viagem entre Angola e Brasil durava 35 dias. E entre Moçambique e Brasil demorava em torno de três meses. Os alimentos e a água potável transportada por esses navios eram insuficientes até mesmo para a tripulação (trabalhadores do navio), pois não existia nenhuma forma de refrigeração.
Os escravos, confinados na parte mais insalubre do navio, passavam por situações das mais terríveis. Não sabiam onde estavam, ficavam apertados num espaço no qual não podiam ficar em pé ou se deitar, recebiam pouca alimentação com baixo grau de nutrientes (basicamente: feijão, farinha de mandioca e carne seca). Mal recebiam água para beber. E, enquanto isso, pelas frestas da embarcação feita de madeira, a água do mar ia aos poucos invadindo o chão do porão.
Famintos, fracos e doentes, os escravos não tinham mais nada em que acreditar. O desespero era tanto, que alguns dos cativos aceitavam vigiar e punir seus companheiros de sofrimento em troca de um pouco mais de água. Os rebeldes eram, normalmente, envenenados. Os mortos eram atirados ao mar.
Nessa situação de tamanha infelicidade, pessoas que nunca tinham se visto antes, que nem sequer falavam a mesma língua, se ajudavam. Repartiam a pouca comida. Consolavam-se. Essa amizade, essa solidariedade que surgia nos tumbeiros era chamada de malungo, ou seja, amizade de travessia, que algumas vezes se perpetuava para a vida toda.
São comuns os relatos sobre a enorme felicidade dos escravos ao aportarem no Brasil, o que era interpretado na época como se os africanos estivessem alegres por se libertarem da vida pagã africana ao chegar ao mundo cristão americano. Esse foi um dos argumentos mais eficientes para legitimar a comercialização de gente na época.
Érica Turci é historiadora e professora de história formada pela USP.

Bibliografia

  • ALENCASTRO, Luiz Felipe. O trato dos viventes: formação do Brasil no Atlântico Sul. São Paulo: Cia das Letras, 2000.
  • FRAGA, Walter e ALBUQUERQUE, Wlamira R.. Uma história da cultura afro-brasileira. São Paulo: Moderna, 2009.
  • MAESTRI, Mario. O escravismo no Brasil. São Paulo: Atual, 1994.
  • MATTOS, Regiane A.. História e cultura afro-brasileira. São Paulo: Contexto, 2007.
  • RODRIQUES, JAIME. Barcas do inferno. Revista História Viva. Duetto. Nº 66
  • SOUZA, Marina de Mello. África e Brasil africano. São Paulo: Ática, 2005.
Quilombos

Os quilombos eram aldeias fundadas pelos escravos negros fugidos dos engenhos. No Brasil, durante o séculos XVII e XVIII, a escravidão condenava os negros a uma vida de trabalho árduo e a castigos cruéis. Estas aldeias surgiram nas regiões onde existia uma população escrava significativa: Pernambuco, Alagoas, Goiás, Mato Grosso, Minas Gerais, Pará, Rio de Janeiro e São Paulo.
A palavra quilombo deriva de kilombo do Quimbundo ou ochilombo do Umbumdo. O seu sentido original era o de local de descanso das populações nómadas. Também se aplicava este termo ao local onde as caravanas traficavam cera, escravos e outros produtos.
A partir de 1630, com a ocupação holandesa do nordeste brasileiro, muitos engenhos foram abandonados pelos portugueses e os escravos deixados à sua sorte refugiavam-se nas matas recônditas do interior. A fuga para locais bem escondidos na mata, onde se fixavam e viviam segundo as tradições africanas, foi uma constante. Contudo a sua repressão era feroz e exemplar e poucos quilombos sobreviveram à perseguição que os senhores lhes moviam. Ivaporanduva no estado de São Paulo próximo do rio Ribeira de Iguape foi um deles, devido ao seu isolamento.
O mais famoso dos quilombos foi o de Palmares, no estado de Alagoas que contava com 50 000 almas e uma área de 27 000 km2, em 1670. Canga Zumba era o seu líder e com a sua morte, Zumbi, o seu sobrinho, assumiu o poder. No quilombo existia uma organização social estruturada que incluía a presença de escravos. Os seus habitantes eram autossuficientes e chegando mesmo a vender os seus produtos nas aldeias vizinhas. Mas também roubavam as aldeias e os engenhos, provocando a ira das populações, que lhes moveram uma perseguição sem quartel. A luta contra o quilombo de Palmares durou cinco anos, terminando com a morte de Zumbi e a destruição do quilombo, em 1695.

ESCRAVATURA


Como forma de sujeição a alguém ou opressão dos fortes sobre os mais fracos, desde sempre existiu a escravatura. Os povos da Mesopotâmia, Hebreus, Gregos, Romanos, Celtas, enfim, todos os povos tiveram escravos, fenómeno que ainda não desapareceu completamente da face da Terra. Foi um fenómeno que variou de acordo com a época, lugar ou povo, porém assumindo diferentes contornos histórico-geográficos.Nos tempos mais remotos da Humanidade, a escravatura era fruto de conflitos, findos os quais se sujeitavam os vencidos, reduzindo-os, quando poupados, a essa condição servil sem direitos ou garantias. Castigos, fraudes, raptos ou cativeiro prolongado eram outras causas. Com o aparecimento das civilizações neolíticas, sedentarizadas e economicamente mais complexas e ativas, a escravatura surge como o esteio maior da marcha civilizacional dos povos, cuja atividade produtiva subsistia em função da existência de mão de obra escrava.
Há, contudo, evoluções em termos do cerceamento de alguns direitos senhoriais em relação ao escravo, aliviando-lhe a condição e tentando evitar abusos. No Egito, um pouco ao contrário da Mesopotâmia, as condições de existência dos escravos eram de certa forma amenizadas pela lei, o que lhes possibilitava mesmo a adoção de um nome egípcio e a fusão social com a massa camponesa do país, os felahs. Eram sobretudo estrangeiros, vítimas da guerra, de cativeiro ou bandidos. Noutras regiões também se contemplou legalmente o escravo: o código de Hamurábi, rei da Babilónia no século XX a. C., situava socialmente o escravo como um bem móvel entre os metais preciosos e os animais domésticos, prevendo-lhe, todavia, a possibilidade de emancipação através de uma cerimónia sagrada. Na China e na Índia, todavia sem quaisquer direitos, sempre existiram escravos.A falta de mão de obra e os direitos de guerra estão na origem da escravatura na Grécia. A vulnerabilidade e a quase ausência de direitos caracterizam o fenómeno nesta região, embora se conheçam diferenças notórias entre Esparta e Atenas. Na primeira, onde lhes chamavam hilotas, de origem local ou presos de guerra, tratavam-nos duramente, sem direitos ou hipóteses de alienação; na segunda, as condições são melhores, atribuindo-se-lhes tarefas importantes (ensino e educação, por exemplo), muitas vezes aproveitando dotes anteriores à sua redução servil. Em Atenas, provinham do comércio ou das colónias mediterrânicas.
Em Roma, a situação muda. Primeiramente, eram um elemento da organização da domus (casa) familiar. A partir da revolução agrária do século IV a. C., as carências de mão de obra obrigam mesmo à escravização de lavradores livres. O corso, a pirataria, as guerras de expansão do império trarão a Roma mais escravos, em números avassaladores por vezes. César, de uma assentada, vendeu cerca de 52 000 belgas, e Tito 90 000 judeus! Os mercadores acompanhavam sempre as legiões, comprando presos de guerra para os venderem como escravos nas cidades romanas. Muitos eram comprados por lanistas (empresários de circo) para acabarem como gladiadores ou aurigas (condutores de carros puxados por cavalos).
A exclusão social e religiosa era gritante em Roma, apesar de a escravatura constituir a espinha dorsal da vida económica romana e da construção da sua grandiosidade imperial. Os escravos excediam em número a população livre, em parte por a sua condição servil ser hereditária. Espártaco, líder da última Guerra dos Escravos (73-71 a. C.), conseguiu facilmente juntar mais de 70 000 homens, pondo em pânico Roma. Apesar da dureza, alguns conseguiam bons trabalhos (como os educadores gregos, por exemplo) e muitas vezes o carinho senhorial e até a emancipação. Terêncio (poeta cómico) e Fedro (fabulista) eram escravos libertos. O poeta Horácio era filho de antigos escravos.A escravatura continuará a existir na Idade Média, embora sem a expressão anterior ou o peso económico ou laboral.
A partir da formação dos primeiros impérios coloniais, principalmente nos séculos XVI e XVII, a escravatura ganha nova importância, assumindo-se como suporte do sistema comercial (por exemplo, do comércio triangular) e produtivo. Acordos entre europeus e régulos africanos facilitarão o seu envio em massa durante mais de três séculos para as minas e plantações das Américas, cuja descoberta e colonização humana e económica acelerarão a aquisição crescente de mão de obra escrava para supressão de necessidades evidentes (os índios ou morriam facilmente ou eram fracos para o trabalho servil). A escravatura adquire, assim, contornos como nunca na História se terá presenciado, quer em número quer em importância económica. Contabilizaram-se 900 000 no século XVI, 2 750 000 no seguinte, 7 milhões no século XVIII (55 000 por ano em média, atingindo às vezes os 80 000!), baixando no século XIX para 4 000 000. Estes números podem ter sido maiores, visto muitos terem morrido ainda em África ou na travessia atlântica.Alguns historiadores calculam o número de africanos abrangidos ou tocados por este fenómeno em mais de 100 milhões ao longo de quatro séculos. Portugueses, holandeses, franceses e ingleses foram os responsáveis por uma das mais lucrativas formas de comércio da História. A sua origem abrangia quatro espaços principais: Congo/Angola, delta do Níger, Costa da Guiné e certas zonas da África Oriental. Aí, foram destruídos os estados africanos existentes em nome do comércio, muitas vezes controlado na origem por feiticeiros, sacerdotes e régulos locais ao serviço dos negreiros, árabes a princípio, depois europeus e até mesmo africanos. Os governos europeus apoiavam e favoreciam esta atividade económica lucrativa e importante no esforço de colonização dos territórios ultramarinos.
O Brasil, as colónias inglesas da América do Norte e as Antilhas serão o ponto de chegada principal do comércio de escravos. Trata-se mesmo de regiões onde as comunidades de origem escrava são ainda hoje consideráveis, se não mesmo maioritárias, não contando os mestiços. No Brasil, alcançam uma enorme influência na sociedade, em termos de folclore e de imaginário. Essa influência manifesta-se em diversas formas de religiosidade de cariz africano. Misturam-se, aí, os cultos de África com o Cristianismo imposto pelos colonizadores portugueses. Estes impuseram sempre a sua lei, valores, costumes e fé, ainda que com alguma tolerância. A miscigenação constante criou o mulato, expressão máxima do relacionamento tolerante entre luso-brasileiros e escravos africanos, chegando estes a ajudar na expulsão dos holandeses do Brasil em 1648-49. Porém, não deixou de haver, como em qualquer regime esclavagista, excessos.
O século XIX marcará o início da abolição da escravatura, aplicando e consagrando ideais de liberdade, direitos e garantias do indivíduo, sem distinção da raça, credo ou cor, difundidos pelas revoluções e movimentos liberais europeus e americanos. Toussaint-Louverture, no Haiti, entre 1796 e 1802, comandará uma série de revoltas contra o domínio senhorial francês, acabando por precipitar a independência da ilha. Mais tarde, o Congresso de Viena (1814-15) pronunciar-se-á a favor do fim da escravatura, verificando-se tomadas de posição idênticas na Grã-Bretanha, Países Baixos e França devido às condições desumanas dos escravos nas suas colónias. A emancipação total verifica-se em maior escala após 1838, trinta e um anos após o Abolition Act of Slavery em Inglaterra. Ainda que clandestinamente se prolongue até meados do século, o tráfico negreiro começa a desaparecer. Portugal acompanha esta evolução do abolicionismo europeu. Subsistirão focos isolados nos EUA (onde se combateu uma Guerra Civil de que o esclavagismo foi um dos pontos de origem), África e América do Sul, embora continue na Europa de Leste (sobretudo na Rússia até quase à revolução de 1917), eliminando-se nessas regiões em 1926, sob a égide da Sociedade das Nações. Subsiste hoje meio milhão de escravos em países islâmicos, África sub-sariana e Extremo Oriente.

Escravatura no Brasil


Os escravos foram a força motriz da economia brasileira até ao fim do século XIX. As monoculturas no Brasil, primeiro acana-deaçúcar e depois a cultura do café, necessitavam de uma mão de obra numerosa e barata. Os portugueses quetinha ido para o Brasil não iam para trabalhar na lavoura mas sim para fazer fortuna, logo o trabalho pesado teria de serfeito por alguém.
O índio foi o primeiro a ser escravizado para trabalhar na cultura nascente da cana-de-açúcar. Os problemascomeçaram a surgir muito cedo, pois os indígenas mostravam-se rebeldes à sedentarização e ao trabalho forçadorecorrendo a medidas drásticas como o assassinato, a embriaguês ou a fuga. Por seu lado, os Jesuítas mal chegados aoBrasil, tomaram a causa dos índios em mãos. Protegiam-nos dos abusos dos senhores de engenho colocando-os emaldeias criadas para o efeito, onde cultivavam o seu sustento e aprendiam a doutrina. Apesar destas ações, isso nãoimpediu que a escravidão do índio brasileiro continuasse a par da escravização do negro. Nas cidades do sul erafrequente empregar os índios em trabalhos domésticos.
Um fator decisivo, para a mudança da política esclavagista, foi sem dúvida o facto do trafico negreiro representar umaempresa muito mais lucrativa do que a captura dos índios em terras brasileiras. O tráfico negreiro era um monopólioestatal desde D. João II e a crescente procura de braços para trabalhar nos engenhos que se multiplicavamrapidamente, levou a que se intensificasse o comércio de escravos entre África e o Brasil.
A proveniência dos negros capturados em África pode ser dividida em dois grandes grupos. Com característicaspróprias, temperamento dócil ou agressivo cada grupo dava origem a preferências no mercado negreiro: trabalhopesado ou doméstico. Os Bantos eram originários da África Equatorial e Tropical e eram capturados ou traficados nasterras do Congo, Guiné e Angola. Por sua vez os Sudaneses vinham da África Ocidental, do Sudão ou do norte daGuiné. Entre os Sudaneses havia negros islamizados. Estes protagonizaram uma das mais famosas revoltas de escravos,a Revolta do Malês, em Salvador na Baía, em janeiro de 1835.
Os escravos eram empregues para trabalhar nos engenhos de açúcar, nas minas ou nas cidades. As condições de vidana fazenda variavam segundo o senhor-de-engenho, mas normalmente o escravo tinha um dia de descanso para sededicar ao cultivo de uma horta. As mulheres, em geral as mais bonitas, eram escolhidas para fazerem os trabalhosdomésticos. O escravo que trabalhava nas minas gozava de mais liberdade e tinha mesmo a oportunidade de garimparem seu proveito. As mulheres eram uma minoria e dedicavam-se à prostituição, o que lhes permitiria juntar algumdinheiro para comprar a carta de alforria. Os escravos das cidades trabalhavam nas casas, no comércio ou comoartesãos. O ensino de um ofício a um escravo era uma mais valia na altura de ser vendido.
A escravatura negra, apesar de um conformismo aparente, não foi passiva. As formas de resistência dos escravosnegros iam desde as fugas individuais ao suicídio, passando por formas mais organizadas, como a constituição dosquilombos ou a associação em Irmandades Religiosas. Na sua essência representavam um refúgio e uma forma depreservar o seu estilo de vida e crenças ancestrais. Os quilombos eram aldeias de escravos fugidos fundadas em locaisde difícil acesso. Quase sempre, os quilombos foram descobertos e destruídos. O mais famoso destes foi o de Palmaresem Alagoas. As Irmandades Religiosas ofereciam proteção e apoio e aos seus membros. Os escravos podiam mesmoalmejar a liberdade com a ajuda destas instituições. A fusão do catolicismo com as crenças africanas resultou numasimbiose religiosa, como o candomblé, que hoje empresta um cariz muito próprio à vida espiritual brasileira, sobretudo naregião da Baía.

UNIDADE 5:AS NOVAS REPRESENTAÇÕES DA HUMANIDADE